Crise do coronavírus: o colapso iminente
Tomasz
Konicz - Alemanha
O capitalismo ama
as coisas e usa as pessoas.
*Se precisar
sacrificar/eliminar as pessoas para manter a concentração de renda,
elimine-se!*
Já o socialismo, ama as pessoas e usa as coisas. (Atitude
inversa).
Pandemia de corinavírus - de curta duração.
Pandemia governo
Bolsonaro - de média duração.
...................
Crise do coronavírus: o colapso iminente
Data: sexta-feira,
27/03/2020 - 18:37
Categoria: Pandemia de CoronavírusPublicado por: Coletivo CVM
ESPECIAL CORONAVÍRUS
26.03.2020 |Tomasz
Konicz,
O sistema capitalista mundial está a entrar na crise mais grave
da sua história,
cujas consequências – se não forem ultrapassadas
rapidamente – podem
deixar na sombra até mesmo a década de 1930.
Chegou novamente a hora do “nós” muito grande. Quando
o capitalismo
tardio, consumido pelas contradições internas,
é tomado por outro
surto de crise, surge então o momento
de grandes apelos
ao sentido do comum, à coesão e à disponibilidade
para fazer
sacrifícios. Todos os prisioneiros de uma sociedade profundamente
dividida são
igualmente chamados a fazer sacrifícios – do bilionário
ao assalariado e ao
sem-abrigo. Trata-se do grande e falso todo,
quando inúmeros
milhares de milhões têm de ser queimados para
suportar um sistema
destrutivo e irracional. Mas desta vez o sacrifício
ao Mamon parece
exigir, literalmente, sangue. O capitalismo é assim desmascarado como a
religião secularizada que Walter Benjamin descreveu já em 1921.
Sangue para o deus sanguinário
Que tal o sacrifício da vida? É por uma boa causa,
para a economia! É
isso que eles estão realmente a discutir
agora. Todos têm de
fazer sacrifícios, Dan Patrick, vice-governador do Texas, exigiu recentemente
aos seus cidadãos que todos fizessem sacrifícios. Afinal de contas, a economia
tem de continuar a funcionar. Os assalariados deveriam, portanto, ir trabalhar
apesar da pandemia, e os idosos, que morrem com mais frequência do que a média
com o Coronavírus, deveriam simplesmente ser sacrificados para que os netos
possam continuar a trabalhar – exigiu o vice-governador. Ele próprio estava
preparado para dar a ida pela economia, afirmou Patrick, de 70 anos. O próprio
Trump argumenta de forma semelhante, vendo o seu país “não ter sido feito para
isso”, para “permanecer fechado”. Entretanto o presidente dos EUA fala em
“reabrir” os EUA até à Páscoa.
Mas também na
Alemanha há apelos para que a economia não seja arruinada por uma pandemia
passageira. O Handelsblatt, por exemplo, lançou recentemente os excrementos do
investidor Alexander Dibelius (McKinsey, Goldman Sachs) em forma de artigo,
também defendendo que as rodas têm de voltar a rolar: “Mais vale uma gripe do
que uma economia quebrada”. É precisamente em frases cínicas como estas, que na
verdade só chegam aos holofotes da opinião publicada em tempos de crise, que o
irracionalismo do modo de produção capitalista, que ameaça a civilização, é
claramente evidente. O capital é o fim em si mesmo de um movimento de
valorização sem limites, um fim em si mesmo ao qual tudo pode ser realmente
sacrificado.
Tais apelos ao puro
sacrifício de sangue pelo capital deixam claro o quão dramática é a situação. O
actual surto de crise é muito mais forte do que a crise de 2008/09, e parece
que o sistema pode realmente entrar em colapso no caso de uma pandemia
prolongada devido às suas crescentes contradições internas – embora a política
faça tudo “bem” a partir de uma perspectiva capitalista interna de mero combate
à crise. O Coronavírus é apenas o gatilho que ameaça derrubar um sistema
instável.
Economia em queda livre
A única questão
agora é se as próximas recessões serão piores do que a enorme quebra em 2009,
quando a economia global entrou em queda após o estouro das bolhas imobiliárias
nos EUA e na UE, que só pôde ser amortecida por gigantescos pacotes de estímulo
económico e emissão maciça de dinheiro. Desta vez, o choque primário vem do
rápido colapso da procura, das interrupções na produção e da ruptura das
cadeias de abastecimento globais existentes – e tem o potencial de desencadear
uma contração historicamente sem precedentes no produto interno bruto (PIB) dos
países no centro do sistema mundial capitalista tardio.
Mory Obstfeld,
ex-chefe do FMI, comparou recentemente a contracção da economia agora em curso
com as consequências da Grande Depressão da década de 1930. A gravidade da
desaceleração económica fez das previsões correspondentes uma perda de tempo a
uma velocidade recorde. O segundo trimestre de 2020 pode ver a pior queda nos
EUA desde 1947; segundo o JPMorgan Chase & Co., há uma ameaça de contracção
de 14% em comparação com o mesmo período do ano passado, o Bank of America
prevê agora uma queda de 12%, enquanto o Goldman Sachs espera mesmo uma queda
catastrófica de 24% para os próximos três meses.
O aviso mais
gritante foi feito pelo Presidente do Banco da Reserva Federal de St. Louis,
James Bullard, que teme uma queda no PIB de até 50% no final do segundo
trimestre, em comparação com o primeiro trimestre de 2020. Isso faria com que a
taxa de desemprego disparasse até 30% e corresponderia a uma queda de 25% na
produção económica. A título de comparação: durante a Grande Depressão de
1929-33, que mergulhou de largos sectores da população na pobreza extrema, o
PIB dos EUA caiu 25% no seu conjunto.
O factor decisivo
aqui é o tempo: quanto mais tempo se leva a combater a pandemia, mais longo é o
processo de paralisação da valorização do capital na indústria produtora de
mercadorias, maior a probabilidade de uma depressão duradoura, o que tornaria
uma grande parte dos assalariados economicamente “supérfluos” – mergulhando-os
na miséria que ameaçaria a sua existência. A menos que o vírus “tome um rumo
milagroso e desapareça nos próximos meses”, disse aos media o professor James
Stock, de Harvard, será “como a Grande Depressão”. Na Califórnia, os presságios
desta iminente catástrofe social já se fazem sentir: desde 13 de março, ou
seja, no prazo de uma semana, cerca de um milhão de assalariados já se
inscreveram como desempregados.
Os apelos absurdos
mencionados no início para voltar ao trabalho, apesar da pandemia, e para se
sacrificar em nome do deus-dinheiro, são levados precisamente por essa visão da
compulsão fetichista da valorização sem limites do capital. Caso contrário,
está ameaçada de colapso uma sociedade capitalista que só pode reproduzir-se
socialmente se os processos de acumulação forem bem sucedidos. A produção de
uma humanidade economicamente supérflua resultante da crise sistémica do
capital, que se está a desenrolar por fases e que até agora tem sido largamente
transmitida aos assalariados da periferia no decurso da concorrência de crise,
também atingiria consequentemente os centros com toda a força se o combate à
pandemia durasse muito tempo. “Nós” simplesmente não podemos oferecer protecção
contra a pandemia dentro do quadro das coerções capitalistas.
Também na UE, o
grande afinamento das perspectivas económicas já começou. A Comissão da UE
assumiu inicialmente que o PIB da União Europeia iria cair 1,0%. Mas agora
também estão a ser esboçados paralelos em Bruxelas com o ano de 2009. Espera-se
que a economia da UE encolha em 2020 em grau semelhante ao que ocorreu após o
estouro das bolhas imobiliárias durante o último surto de crise que levou à
interminável crise do euro: naquela época, a contracção da produção económica
foi de 4,5% na zona euro e 4,3% na UE. A repetidamente sacudida aliança
europeia de Estados, já em erosão, deve dar um novo impulso às forças
centrífugas nacionalistas, particularmente na área monetária. Uma verdadeira
mentalidade de salteador já está a fazer incursões na “União” Europeia, onde
máscaras cirúrgicas destinadas à Itália “desaparecem” repentinamente na
Alemanha ou são simplesmente confiscadas pela Polónia e pela República Checa
num acto de latrocínio de Estado.
O pior cenário para
a República Federal da Alemanha pressupõe uma queda de 20% na produção
económica, o que causará um aumento do desemprego de um milhão de assalariados.
A previsão do famigerado Instituto Ifo, com sede em Munique, é de uma forte
queda do PIB de 7,2% em 2020 no melhor cenário: “Os custos provavelmente
ultrapassarão qualquer coisa conhecida de crises económicas ou desastres
naturais na Alemanha nas últimas décadas”, advertiu o chefe do Ifo, Fuest.
Dependendo do cenário, a crise custaria entre 255 e 729 mil milhões de euros.
Da mesmo modo, o chefe do Bundesbank, Weidmann, argumentou que uma deriva “para
uma recessão pronunciada” era inevitável. As consequências destas quedas económicas
já estão a ser muitas vezes sentidas pelos assalariados: a VW colocou cerca de
80.000 trabalhadores em horário reduzido devido ao colapso da procura e à
ruptura das cadeias de abastecimento.
As previsões
globais iniciais, como as do FMI, também têm uma visão negativa do
desenvolvimento económico, e também aqui se estabelecem paralelos com o crash
de 2008. No entanto, a economia global é largamente dependente da China, onde
os relatórios iniciais indicam que a produção já está a aumentar de novo. Isto
poderia mitigar o crash global, mas o capitalismo de comando chinês, com o
cunho de oligarquia estatal, não pode desempenhar o papel de locomotiva
económica global, já que a China também está a sofrer com o peso das altas
montanhas de dívidas. Além disso, a dependência da “República Popular” dos
mercados de exportação ainda é muito forte, apesar de todos os sucessos
parciais no fortalecimento da procura interna.
Na decrépita terra dos milhões de fantasia
Em vista deste
colapso iminente da produção económica nos países centrais do sistema
capitalista mundial, não é surpreendente que os políticos estejam agora a lidar
de forma muito aberta com montantes de biliões. Estão a ser bombeados para o
sistema a uma velocidade insana, como se não houvesse amanhã. As elites
funcionais políticas estão realmente preocupadas em evitar o colapso. E
permanece completamente em aberto se esses esforços podem prolongar a agonia do
capital, criando novas bolhas, como fizeram quando as bolhas imobiliárias
explodiram em 2008/09.
As dimensões das
medidas de apoio são historicamente únicas – especialmente nos EUA. Na
quarta-feira, democratas e republicanos concordaram no Congresso para um pacote
de estímulo de 2 biliões de dólares (são 2 milhões de milhões!). O dinheiro de
helicóptero, ou seja, o pagamento de dinheiro aos cidadãos para estimular a
procura, tornou-se uma realidade nos EUA. Cada cidadão americano com uma renda
anual inferior a 75.000 dólares recebe uma doação em dinheiro de 1.200 dólares,
cada filho traz um adicional de 500 dólares. Para a “indústria da saúde”
disfuncional e privada, serão 100 mil milhões, os pequenos empresários podem
contar com 350 mil milhões, à grande indústria serão lançados 500 mil milhões
para mantê-la viva, 150 mil milhões são destinados a cidades e municípios, etc.
Na UE e na RFA,
todas as medidas de austeridade impostas por Schäuble & Co. à área
monetária serão levantadas, enquanto o BCE anunciou um gigantesco programa de
compra de títulos de 750 mil milhões de euros, a fim de, indirectamente,
através do mercado de capitais, levar a cabo o que é, na realidade, o
financiamento estatal que foi proibido aos antigos – e futuros – países em
crise na zona euro. Entretanto, a UE flexibilizou as regras orçamentais dos
Estados da zona euro, a fim de promover os investimentos estatais financiados
pelo crédito, que são possíveis graças à inundação de dinheiro do BCE. Os
travões da dívida de Schaubler estão suspensos na UE, bem como na RFA.
Entretanto, o ministro da Economia, Peter Altmaier, disse estar disposto a
considerar “medidas não convencionais”, como cheques para o consumo, depois de
ter anunciado recentemente a nacionalização de empresas para as proteger de
aquisições estrangeiras.
Devido a anos de
excedentes de exportação sob a política alemã Begger-thy-Neighbor [empobrece o
teu vizinho], a República Federal está de facto em condições de lançar
programas de estímulo económico maciço que – em relação à produção económica –
pode certamente acompanhar o ritmo da gigantomania americana. Berlim está a
mobilizar um total de cerca de 750 mil milhões de euros para amortecer o
impacto económico, acompanhado de novos empréstimos de cerca de 156 mil
milhões. Esta dívida adicional deve ser usada para financiar todas as medidas
sociais, injecções financeiras adicionais para as infra-estruturas em
dificuldades, tais como o sistema de saúde destruído, e ajuda às empresas e aos
trabalhadores independentes. Cerca de 600 mil milhões estão destinados a
proteger as grandes empresas e indústrias exportadoras alemãs da falência ou de
aquisições hostis através da nacionalização ou de empréstimos governamentais.
Esses milhares de
milhões tornam-se insignificantes em relação aos biliões que os bancos centrais
devem bombear para os mercados financeiros em retracção, a fim de evitar o
colapso do sistema financeiro global. A principal preocupação aqui é evitar o
estouro da bolha de liquidez que foi iniciada pelas medidas tomadas para
combater as consequências do estouro das bolhas imobiliárias em 2008/09. São
precisamente estas bolhas do mercado financeiro (bolha dot-com, bolha
imobiliária, bolha de liquidez actual) ,que têm vindo a aumentar desde a
segunda metade dos anos 90 e que continuam em expansão, que geram a montanha
cada vez maior da dívida, representando agora 322 por cento do produto
económico global, sob a qual o sistema global hiperprodutivo, dependente da
procura impulsionada pelo crédito, ameaça entrar em colapso.
As medidas em
pânico de biliões dos bancos centrais servem para salvar esta gigantesca torre
de dívida do colapso. Incluem os 750 mil milhões em novas aquisições de
obrigações pelo BCE, bem como as medidas num total de 1,5 biliões de dólares
que a Reserva Federal norte-americana tomou num esforço para inverter o colapso
dos mercados bolsistas norte-americanos. Em última análise, trata-se da emissão
monetária, conhecida como “flexibilização quantitativa”, que é realizada na
esfera financeira através da compra de obrigações e “títulos” dos bancos
centrais, a fim de manter o sistema “líquido” (a subida dos preços dos títulos
constitui o efeito inflacionário resultante). Entretanto, não há mais limites
oficiais no Fed: “acções agressivas” são necessárias, a flexibilização
quantitativa – ou seja, a emissão de dinheiro – será realizada sem limites,
declarou o Fed em 23 de março.
O céu é o limite –
até ao grande surto de desvalorização que poderá começar em conjunto com o
colapso económico. O problema é precisamente que uma grande parte dessa
montanha crescente de dívidas não pode mais ser honrada se a recessão durar
mais tempo – especialmente no caso de empréstimos às empresas. O frágil castelo
de cartas capitalista tardio nos mercados financeiros entraria então em
colapso, com consequências desastrosas. Os primeiros cálculos do modelo
correspondente levaram em conta a dívida das empresas de oito países – China,
EUA, Japão, Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália e Alemanha. No caso de um
choque económico que fosse apenas metade do da crise financeira global de 2008,
o passivo no valor de 19 biliões de dólares americanos (19 milhões de milhões)
não seria mais atendido. Isso representaria 40% do total da dívida das empresas
nos países em questão. No entanto, em muitas regiões, a crise ameaça
assemelhar-se à queda de 2009.
Assim, as quedas
económicas, que agora se pretende mitigar com biliões, ameaçam interagir com a
sucata financeira do inchado sistema financeiro global, o que resultaria na sua
desvalorização e num colapso irreversível. Este é o perigo real da actual
dinâmica da crise: o colapso da montanha da dívida global desencadearia um
verdadeiro colapso. A casta política reconheceu isto correctamente, e é por
isso que as comportas do Fed e do BCE estão agora a ser abertas até ao fim.
A exigência arcaica
de sacrifícios para acalmar novamente os mercados, como mencionado no início,
tem de facto um verdadeiro núcleo na coerção objectiva do capitalismo. Trump
está certo. Se o controle pandémico necessário for mantido por um longo período
de tempo, os centros do sistema capitalista mundial estão literalmente ameaçados
de colapso. A propósito, o anúncio de Trump de que os EUA voltariam às
operações normais já na Páscoa, juntamente com o “pacote de estímulo económico”
que havia sido acordado, causou o maior salto das cotações nos mercados
financeiros dos EUA desde 1933. O Baal do dinheiro aceita benignamente os
sacrifícios humanos anunciados. Mesmo que centenas de milhares de pessoas
possam morrer miseravelmente, o capital tem de voltar a ser valorizado através
do trabalho assalariado. A natureza irracional do capitalismo como uma “louca
seita suicida” (Robert Kurz), como um desenfreado culto de morte na compulsão
cega ao crescimento, torna-se evidente em tais momentos de crise.
Mas a necessidade
de ultrapassar emancipatoriamente este sistema que se afunda na dissolução e na
barbárie, cujos apologistas se transformam em sumos sacerdotes deste culto da
morte, também se torna evidente. Em última análise, é uma pura necessidade de
sobrevivência encontrar formas de reprodução social para além da totalitária
socialização do valor. Esta é a única exigência política razoável que deve
agora ser formulada em resposta ao desastre que se está a desenrolar.
Tomasz Konicz
publicou recentemente o livro “Klimakiller Kapital. Wie ein Wirtschaftssystem
unsere Lebensgrundlagen zerstört”. [“Klimakiller Kapital”. Como um sistema
económico destrói as bases da nossa vida].
Original
Coronakrise: Der kommende Absturz. Publicado em Lower Class Magazine,
26.03.2020. Tradução de Boaventura Antunes.
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