Carta aos amigos e amigas do exterior
Por Frei Betto
17/07/2020
Queridos amigos e
amigas:
No Brasil ocorre
um genocídio! No momento em que escrevo, 16/7/2020, a Covid-19, surgida aqui em
fevereiro deste ano, já matou 76 mil pessoas. Já são quase 2 milhões de
infectados. Até domingo, 19/7/2020, chegaremos a 80 mil vítimas fatais. É
possível que agora, ao você ler este apelo dramático, já cheguem a 100 mil.
Quando lembro que
na guerra do Vietnã, ao longo de 20 anos, 58 mil vidas de militares
usamericanos foram sacrificadas, tenho o alcance da gravidade do que ocorre em
meu país (Brasil). Esse horror causa indignação e revolta. E todos/as sabemos
que medidas de precaução e restrição, adotadas em tantos outros países,
poderiam ter evitado tamanha mortandade.
Esse genocídio
não resulta da indiferença do governo Bolsonaro. É intencional. Bolsonaro se
compraz da morte alheia. Quando deputado federal, em entrevista à TV, em 1999,
ele declarou: “Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada,
absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia partirmos para uma
guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez:
matando uns 30 mil”.
Ao votar a favor
do impeachment da presidente Dilma, ofertou seu voto à memória do mais notório
torturador do Exército, o coronel Brilhante Ustra.
Por ser tão
obcecado pela morte, uma de suas principais políticas de governo é a liberação
do comércio de armas e munições. Questionado à porta do palácio presidencial se
não se importava com as vítimas da pandemia, respondeu: “Não estou acreditando
nesses números” (27/3/2020, 92 mortes); “Todos nós iremos morrer um dia”
(29/3/2020, 136 mortes); “E daí? Quer que eu faça o quê?” (28/4/2020, 5.017
mortes).
Por que essa
política necrófila? Desde o início ele declarou que o importante não era salvar
vidas, e sim a economia. Daí sua recusa em decretar lockdown, acatar as
orientações da OMS e importar respiradores e equipamentos de proteção
individual. Foi preciso a Suprema Corte (STF) delegar essa responsabilidade a
governadores e prefeitos.
Bolsonaro sequer
respeitou a autoridade de seus próprios ministros da Saúde. Desde fevereiro o
Brasil teve dois, ambos demitidos por se recusarem a adotar a mesma atitude do
presidente. Agora, à frente do ministério, está o general Pazuello, que nada
entende de questão sanitária; tentou ocultar os dados sobre a evolução
dos números de vítimas do coronavírus; empregou 38 militares em funções
importantes do ministério, sem a requerida qualificação; e cancelou as entrevistas
diárias pelas quais a população recebia orientação.
Seria exaustivo
enumerar aqui quantas medidas de liberação de recursos para socorro das vítimas
e das famílias de baixa renda (mais de 100 milhões de brasileiros) jamais foram
efetivadas.
As razões da
intencionalidade criminosa do governo Bolsonaro são evidentes. Deixar morrer os
idosos, para economizar recursos da Previdência Social. Deixar morrer os
portadores de doenças preexistentes, para economizar recursos do SUS, o sistema
nacional de saúde. Deixar morrer os pobres, para economizar recursos do Bolsa
Família e de outros programas sociais destinados aos 52,5 milhões de
brasileiros que vivem na pobreza e aos 13,5 milhões que se encontram na extrema
pobreza. (Dados do governo federal).
Não satisfeito
com tais medidas letais, agora o presidente vetou, no projeto de lei sancionado
a 3/7/2020, o trecho que obrigava o uso de máscaras em estabelecimentos
comerciais, templos religiosos e instituições de ensino. Vetou também a
imposição de multas para quem descumprir as regras e a obrigação do governo de
distribuir máscaras para os mais pobres, principais vítimas da Covid-19, e aos
presos (750 mil). Esses vetos, no entanto, não anulam legislações locais que já
estabelecem a obrigatoriedade do uso de máscara.
Em 8/7/2020,
Bolsonaro derrubou trechos da lei, aprovada pelo Senado, que obrigavam o
governo a fornecer água potável e materiais de higiene e limpeza, instalação de
internet e distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas,
para aldeias indígenas. Vetou também verba emergencial destinada à saúde
indígena, bem como facilitar o acesso de indígenas e quilombolas ao auxílio
emergencial de 600 reais (100 euros ou 120 dólares) por três meses. Vetou ainda
a obrigação de o governo oferecer mais leitos hospitalares, ventiladores e
máquinas de oxigenação sanguínea a povos indígenas e quilombolas.
Indígenas e
quilombolas têm sido dizimados pela crescente devastação socioambiental, em
especial na Amazônia.
Por favor,
divulguem ao máximo esse crime de lesa-humanidade. É preciso que as denúncias
do que ocorre no Brasil cheguem à mídia de seu país, às redes digitais, ao
Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, e ao Tribunal Internacional de
Haia, bem como aos bancos e empresas que abrigam investidores tão cobiçados
pelo governo Bolsonaro.
Muito antes de o
jornal The Economist fazê-lo, nas redes digitais trato o presidente por
BolsoNero – enquanto Roma arde em chamas, ele toca lira e faz propaganda da
cloroquina, remédio sem nenhuma eficácia científica contra o novo coronavírus.
Porém, seus fabricantes são aliados políticos do presidente…
Agradeço seu
solidário interesse em divulgar esta carta. Só a pressão vinda do exterior será
capaz de deter o genocídio que assola o nosso querido e maravilhoso Brasil.
Fraternalmente,
*
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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro