"AGORA QUE DESCOBRI QUE VOU MORRER, VOS DIGO...
A proximidade da morte é sábia. Faz com que inevitavelmente, queiramos falar e fazer coisas. Em 2016 tive um infarto e coloquei 4 stents. Sim, é um susto, mas a vida seguiu. Fui só eu naquela hora. Agora vem a pandemia e são e somos, todos. NÃO estou infectado, deixo claro, mas tudo pode ser uma questão de tempo. Mas e daí não estar, se sei que outros tantos estão? Em meio a isso ficou tudo mais claro para mim, e de mim. Porque não se trata mais do medo de morrer, até porque esta é uma certeza com variações de tempo, mas de não existirmos mais.
Na
eminência da morte surgem urgências de explicar e viver coisas e medo de não
fala-las e não vive-las. Quero que saibam e entendam que eu e muitos outros
sempre vimos o mundo em pandemia e nos horrorizamos. A pandemia da fome, da
escravidão, da desigualdade, do egoísmo. Alguns de nós, em outros tempos que
espero não retornem, foram presos e mortos por falar contra esta pandemia. Nos
horrorizamos quando víamos mandarem pessoas saírem das ruas e avisávamos que
estes não tinham casa, tanto quando agora vemos governantes mandarem pessoas
saírem de casa e irem para a morte.
Sempre foi horrível para mim, ver as pessoas morrerem sem acesso a um cuidado básico de saúde enquanto grupos capitalistas ficam ricos com a venda de planos de acesso a isso que é direito básico de qualquer cidadão. Sempre gritei contra a escravidão porque entendia que ela seguia na perseguição étnica, no superencarceramento, na perseguição a manifestações culturais populares como samba e funk, como na capoeira, na perseguição aos terreiros de candomblé e umbanda, enfim, em tudo que vinha do popular. Imagina se deixariam os pobres seguirem "deuses“ que são de característica humana. Imagina permitir tranquilamente, uma religião onde as principais entidades são de origem popular brasileira como pretos velhos, caboclos, boiadeiros etc. Imaginem se permitiriam uma cultura de chás e fitoterapia, e parteiras, numa saúde humanizada. Assim como na educação jamais quiseram permitir diálogo e troca. Jamais deixaram o povo se organizar com bases à emancipação. NÃO, isso tudo os atrapalharia muito.
Como lucrariam e
explorariam?
Se
eu morrer amanhã vocês terão entendido do que falávamos? Se vocês morrem
amanhã, terão entendido quem os matou?
Tenho
receio ainda, e vamos ao campo do pessoal, de ter contos e músicas que ninguém
leu ou ouviu. De não ter lido algum livro ou não ter visto algum filme.
Muito medo de não conhecer alguma música do Chico Buarque. Tenho medo de não ter
dito eu te amo a todos que amo. Tenho medo de não ter mandado alguém para a
puta que pariu, sendo este notório merecedor.
Mas
de todos os meus medos o maior é que isso tudo passe e voltemos ao normal.
Morrendo lenta e cotidianamente, sem que chamemos atenção, da pandemia que
sempre nos assolou. Do mal que regamos. Morro de medo de me deixar levar por um
enorme bloco de carnaval, profundamente embreagado por todo um fim de semana e,
na segunda feira, voltar à rotina.
Espero
que tudo passe, que tramemos revoluções, que conversemos com nossos ancestrais,
que mandemos muitos para a puta que pariu e que andemos descalços por quintais
falando eu te amo."
Marcelo Biar/RJ
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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro