sexta-feira, 31 de julho de 2020

A Desumanização do Humanismo * Pedro César Batista/DF

A desumanização do Humanismo



Pedro César Batista/DF

Durante a transição do feudalismo para o capitalismo, o surgimento da burguesia iniciou uma nova etapa de transformações na história da humanidade, que resultaria séculos depois em grandes revoluções. A igreja perdeu força. Erasmo de Roterdã, mesmo sendo um religioso, contribuiu para que novos valores se disseminassem. A racionalidade e a ciência, a partir da teoria heliocêntrica, descoberta por Galileu Galilei, a invenção da bússola, as grandes navegações, o surgimento das pequenas indústrias e do comércio animaram o que se denominou humanismo.

O século XVII, distante um pouco mais de três séculos de nosso tempo, ficou conhecido como o século das luzes. As artes, a invenção da gráfica, a publicação e circulação de textos que davam grande importância a dignidade, as capacidades humanas e a racionalidade. A ciência apresentava a a espécie humana a possibilidade de ser o centro do mundo.

Rousseau em artigo A origem das desigualdades entre os homens, escrito em 1753, afirmou que a principal base de sustentação das injustiças sociais era existência da propriedade privada e a necessidade individual de um superar o outro, numa busca constante de poder e riquezas para subjugar os seus semelhantes.

As colonizações europeias, a partir do século XVI, aprofundaram a perversidade dos negociantes que formaram a nova classe dominante. Invadiram continentes, mataram milhões de pessoas que constituíam os povos originários, sequestraram e escravizaram nações inteiras, destruindo culturas, histórias e vidas. A Europa se transformou em brilho, beleza e luxo as custas da dor, do sangue e do extermínio sem piedade de milhões e milhões na África, América, Oceania e Ásia. Quem não se sujeitasse a ser escravo, como um bom cristão, fiel a igreja que abria as alas para os crimes e o roubo do colonizador era empalado, queimado vivo em fogueiras e tinha a alma mandada para o inferno, propagavam os colonizadores.

Assim como na fase anterior ao surgimento do feudalismo, quando os romanos e gregos chamavam de bárbaros quem não se sujeitava às invasões e roubos praticados pelos civilizados e cultos, que também inventaram a democracia, onde os senadores e nobres se esbanjavam em luxuria e debates filosóficos, enquanto a grande maioria da população era totalmente alijada de qualquer direito. Os civilizados matavam, estupravam e roubavam povos, utilizando um cruel sadismo, o mesmo que continuou no período feudal em que os servos e colonos eram obrigados a produzir para sustentar o parasitismo de reis, rainhas e de toda a corte, aceitar passivamente a pernada, quando decidiam formar uma família e viver em paz. A primeira noite sexual da jovem dama, pelas normas, era direito do senhor. Noites que seguiram por séculos, com estupros em massa, extermínio de povos inteiros, sem nenhuma piedade, saques em nome do direito divino que as classes dominantes, senhores civilizados e honrados, em nome de Deus, afirmavam possuir.

Para Shakespeare “o egoísmo unifica os insignificantes”, o que tem sido provado ao longo dos séculos com a prática da colonização, da imposição dos religiosos, das classes que buscam acumular mais e mais propriedades, que não se cansam de praticar o sadismo, alimentando o egoísmo, denunciado por Shakespeare e Rousseau.

A guerra que mais mortes causou na história da humanidade, liderada por Hitler, teve como base a propagação do que se denominou “egoísmo exacerbado” na tenra infância, com jovens professoras aplicando fielmente o discurso da raça superior, pura e sua força para impor a limpeza étnica e eliminar milhões de pessoas. Estima-se que mais de 500 mil mulheres atuaram no trabalho de formação ideológica de crianças e jovens para que aceitassem como natural os crimes praticados em campos de concentração, câmaras de gás e o extermínio em massa. O que no passado foi feito em nome de Deus, dizimando civilizações inteiras, foi tentado mais uma vez, em pleno século XX. Os alemães acreditavam que o vasto território do leste, que integrava a extinta União Soviética, lhes pertencia por direito sagrado. O que valia era o interesse individual, de cada integrante da raça pura, os arianos, os nazistas, que tinham no egoísmo sua principal base cultural e de formação pessoal.

Civilizações inteiras têm sido dizimadas ao longo da história. Os povos africanos tinham um nível cultural e industrial mais elevado que os europeus no século XV, mas a história oficial não mostra.
Os europeus destruíram a relação de solidariedade comunal que existia no continente africano provocando divisões, guerras e escravizando o povo negro.

Os mesmos colonizadores, dizimaram inúmeros povos originários do Alaska até a Patagônia. Culturas desenvolvidas, como os Astecas, Maias e Incas foram completamente destruídas. De mais de 1.300 nações indígenas, com seus idiomas e culturas que existiam no século XVI no Brasil, agora, no limiar do século XXI, restam pouco mais de 300, com número bem menor de idiomas, os quais enfrentam a pandemia da covid-19 sem nenhum apoio oficial. Muito pelo contrário, o atual governo do país, Bolsonaro e sua administração, reproduz a prática nazista, desenvolve o extermínio das populações originárias ao incentivar a continuidade do genocídio secular contra essas nações.

Os herdeiros dos colonizadores mantem a mesma prática contra as classes subalternas, oprimidas e exploradas, com uma cruel exploração e a contínua prática de massacres, chacinas e genocídios.

No mundo tem se repetido a exploração de uma classe sobre a outra na história.

Os EUA com implantação da Doutrina Monroe, anunciada em 2 de dezembro de 1823, pelo presidente James Monroe, resumida na frase América para os americanos, tem sido sustentada com a organização de golpes militares, roubos de nações, financiamento de grupos paramilitares e a implantação de ações para preservar o controle da região. São dezenas de países invadidos e milhões de mortos. Em todos os continentes os EUA têm praticado atos terroristas, roubos e crimes contra povos soberanos. O mais cruel ocorreu em 2 de setembro de 1945, quando os EUA jogaram as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. A Alemanha já havia se rendido em 8 de maio desse ano, quando a URSS ocupou Berlim. Mas a história contada é outra. Os filmes, livros, histórias em quadrinho e em salas de aulas contam que os norte-americanos venceram a segunda guerra. Na realidade os EUA, preservando sua gênese, mataram no Japão, em algumas horas, 140 mil, em Hiroshima, e 74 mil, em Nagasaki. Um ato criminoso que permanece impune.

A desumanidades ao longo da história é mantida pelo capitalismo e a classe dominante, com seus governos e uma pratica continua de crimes sustentados na super exploração de homens, mulheres e da natureza, garantido por exércitos e leis feitas por eles e para servir a eles.

A pandemia da covid-19 é a prova da desumanidade prevalecente.

Esta desumanização nas relações humanas tem deixado as pessoas mais egoístas e mesquinhas, o que acaba por levar a estupidificação de amplos setores, provocando uma propagação agressiva de posturas arrogantes, individualistas e desagregadoras.

Hoje, 29 de julho de 2020, já morreram 660.593 pessoas no mundo e 88.792 no Brasil devido assustadora propagação da covid-19. Números que equivalem a três vezes a quantidade de mortes causadas pelos EUA, quando jogou as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. No Japão morreram em algumas horas aproximadamente 214 mil pessoas. Um crime inesquecível. Entretanto, neste momento, mesmo com o elevado número de mortos pela pandemia, não se vê comoção social. Pelo contrário, vastos setores, em todo o mundo, estão demonstrando total alheamento a desgraça que se abate sobre a humanidade.

A cultura ocidental propagou que os civilizados eram corretos e os melhores, não importando se destruíam civilizações inteiras, dizimavam povos e culturas, enquanto os bárbaros, por se defenderem, lutar pela vida, por sua cultura e seu povo ficaram conhecidos como pessoas más, violentas e desumanas. Uma total inversão dos fatos do desenvolvimento da história das sociedades. Esta manipulação da realidade continua, assim como foi no passado, no presente.

Para a grande imprensa e governos, o que importa é garantir a economia. Nada se pode fazer se as mortes causadas pela pandemia seguem dizimando pobres, indígenas e negros. Como foi dito por uma alta funcionária do governo brasileiro, “reduzirá a pressão sobre os serviços públicos e a previdência social”. Ou como governantes que entram na justiça para impedir o uso de máscaras, um dos meios comprovadamente possíveis de evitar o contágio. O que vale é que os bilionários brasileiros e no mundo, mesmo com a miséria e o desespero se abatendo sobre milhões de famílias, sigam aumentando suas riquezas. Ganhando dezenas de bilhões de dólares em poucos meses. É preciso garantir que a economia gire, propagam. É preciso combater os bárbaros, que não se sujeitam a morte, a escravidão ou a se tornarem novamente colônia dos poderosos que controlam o mundo.

Com o final do feudalismo se acreditou que a humanidade viveria um mundo melhor. Muitas conquistas foram obtidas. A medicina, as artes, a tecnologia, os direitos humanos e o controle social avançaram, mas as riquezas seguiram nas mesmas mãos. A herança, um direito sagrado e inquestionável, assegura que os netos, bisnetos e tataranetos dos proprietários de escravos, dos traficantes dos africanos sequestrados na África, dos estupradores das mulheres indígenas, dos assassinos de homens e mulheres que ousaram combater e propagar a conquista da dignidade humana sigam controlando o Estado, as leis, as forças militares e armadas, o chicote que nunca parou de estalar. Agora ele é mais sutil, anda em redes sociais que nada tem de sociais, apenas atomiza e ilude as grandes massas humanas.

As conquistas obtidas na história foram resultado da organização dos oprimidos, unidos e dispostos a romper as correntes e destruir as amarras, assim como apontadas por Karl Marx. Não faltam exemplos de lutas e vitórias, como a revolução no Haiti, que impôs a derrota ao colonizador; a resistência de Palmares, no Brasil; as lutas de libertação comandadas por Bolívar; as revoluções bolchevique, comandada por Lênin, que reuniu quase 20 nações e formou a União da Repúblicas Socialistas Soviéticas, a Chinesa, liderada por Mao Tse Tung, a vietnamita, com Ho Chi Min a frente, a cubana, com Fidel, Chê e Camilo, a Sandinista, iniciada por Carlos Fonseca; as lutas pela independência e contra o colonizador na África, a bolivariana na Venezuela, iniciada pó Hugo Chávez; as lutas operárias e camponesas em todo o mundo. Todas essas lutas são fontes de inspiração em busca da humanização da humanidade. Todas essas ações mostraram que somente quando se há disposição e consciência de classe é possível avançar na construção do humanismo.

Assim como Prometeu ousou roubar o fogo de Zeus, que até hoje segue iluminando nossos passos, precisamos entender o passado, compreender que cada ação na história, para dar resultado leva séculos, as lutas entre as classes antagônicas são inevitáveis e o combustível do desenvolvimento social. Se a burguesia no passado defendeu o humanismo, o conquistou, mas apenas para sua classe, usando as grandes massas exploradas como mão de obra barata para assegurar o elevado padrão de vida que a minoria usufrui. Somente quando seguirmos os exemplos revolucionários vitoriosos ou não, mas que nos apontam a direção na construção de relações verdadeiramente humanizadas, poderemos fazer a ruptura que a história cobra e exige. O futuro será humanizado e justo se os injustiçados e vítimas da desumanização capitalista se dispuserem a destruir o egoísmo, a propriedade privada dos meios de produção e acender mais alta a tocha do fogo de Prometeu.  Então será possível um novo tempo, verdadeiramente digno e que assegure a emancipação humana, em sua plenitude, o que somente será possível em uma etapa superior de organização social, o socialismo. Não há novidades na história, apenas precisamos fazer a revolução que é preciso, dar vida a um novo tempo.

Pernada: direito que concedia aos nobres o direito de núpcias com suas servas - 1850. Engels, Guerras camponesas na Alemanha, p.68
https://novaescola.org.br/conteudo/1835/erasmo-de-roterda-o-porta-voz-do-humanismo
https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/humanismo.htm
https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/revolucao-cientifica-seculo-xvii.htm
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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro