CHEGOU A HORA DA CONDENAÇÃO INTERNACIONAL
Apoiado
pela maioria dos estados-maiores militares e por um setor fanatizado da opinião
pública, sustentado pelas igrejas evangélicas mais reacionárias, o Presidente
brasileiro se apressa a destruir a Nova República, nascida em 1988 das ruínas
da ditadura militar. E tudo isso sob a máxima indiferença da comunidade
internacional
Por
Antoine Acker, Marcos Colón, Maud Chirio, Olivier Compagnon, Juliette Dumont e
Anais Fléchet
05/06/2020
13:40
(Joedson
Alves/EPA)
Créditos
da foto: (Joedson Alves/EPA)
Atingindo
o recorde do maior número de mortes diárias da covid-19, o Brasil protagoniza
há alguns dias um triste retorno à cena midiática. As notícias dessa tragédia
sanitária, que atinge em cheio as populações mais vulneráveis, são geralmente
informadas por breves comentários sobre o isolamento e a radicalização do
Presidente. Mas essa descrição ignora o essencial: Jair Bolsonaro está menos
fragilizado do que propenso a uma fuga para a frente, podendo conduzir à
instauração de um regime autoritário. Apoiado pela maioria dos estados-maiores
militares e por um setor fanatizado da opinião pública, sustentado pelas
igrejas evangélicas mais reacionárias, o Presidente brasileiro se apressa a
destruir a Nova República, nascida em 1988 das ruínas da ditadura militar. E
tudo isso sob a máxima indiferença da comunidade internacional.
Desde
a adoção, em março, das primeiras medidas de confinamento pelos governadores
dos Estados, o executivo vem travando uma queda de braço com as instituições
democráticas. Bolsonaro rompeu o pacto federal atacando frontalmente as medidas
de distanciamento social. Acusado de haver feito uma limpeza na direção da
polícia para preservar sua família, próxima das milícias mafiosas do Rio de
Janeiro, de eventuais perseguições, o Presidente multiplicou as provocações
contra o Supremo Tribunal Federal e apoiou os manifestantes favoráveis ao seu
puro e simples fechamento. A tudo isso, junta-se uma intensa campanha nas redes
sociais, conduzida por um hashtag tão longo quanto explícito:
#intervençaomilitarcombolsonaronopoder.
Essa
“intervenção militar” não é apenas um espantalho. Esta proposta vem sendo
defendida quotidianamente, não apenas por manifestantes e pelas redes de
extrema-direita, mas por membros do governo, e, no dia 28 de maio, pelo próprio
Bolsonaro. Para justificá-la, seus próximos invocam um artigo da Constituição
que autoriza as forças armadas a agir pela “garantia” da “lei e da ordem” ao
serem convocadas por qualquer dos “poderes constitucionais”. O artigo 142,
vestígio de uma transição democrática conduzida sob tutela militar, foi
previsto para justificar o emprego do Exército em missões de segurança pública,
e sob nenhuma circunstância para legitimar um golpe de Estado.
Com
quase metade dos ministros em uniformes e três mil oficiais nos ministérios, o
poder no Brasil já se encontra fortemente militarizado. Se amanhã os principais
contra-poderes forem derrubados, assistiremos incrédulos a essa viagem no
tempo, o retorno de uma ditadura militar na maior democracia da América Latina.
Diante a ameaça de seu fim próximo, as instituições democráticas brasileiras
encontram-se sob extrema vulnerabilidade. Entre o oportunismo de parlamentares
interessados em conservar suas benesses, uma oposição inaudível e o temor de
represálias por parte de parte do Exército, o Congresso petrifica-se diante das
dezenas de demandas de impeachment que vão se empilhando. Pior ainda, cada
tentativa de reação às provocações do governo, pelas vias legais, eleva o risco
de queda em uma ditadura. Recentemente, uma operação de desmantelamento das
redes de fake news próximas ao poder conduziu diversas personalidades-chave do
bolsonarismo a clamar pela morte de seu responsável, o juiz do Supremo Tribunal
Federal Alexandre de Morais.
O
risco iminente de um golpe de Estado militar não resulta apenas da confusão
política agravada pela pandemia. Confirma a desintegração da democracia
subestimada e, por vezes, até alimentada pelas elites financeiras, políticas e
midiáticas dos países ocidentais, em etapas: a destituição da presidente eleita
Dilma Rousseff, em 2016, por uma razão superficial e com desprezo ao espírito
da Constituição, os repetidos abusos de poder de uma Justiça parcial e
politizada, o imobilismo das instituições diante das provocações, violências e
fraudes da extrema direita. A situação é explosiva, a democracia está à beira
do abismo. Dessa vez, ninguém poderá fingir surpresa, pois Bolsonaro e seus
próximos prometeram com constância, durante sua campanha e após sua chegada ao
poder, o fechamento do Supremo Tribunal Federal, a intervenção do Exército e o
aprisionamento dos opositores políticos.
A
extinção da democracia brasileira implicaria em graves consequências
internacionais. Além do possível efeito dominó sobre um continente fragilizado
por crises políticas de envergadura, a aceleração do desflorestamento leva a
temer um desastre ambiental e humano que, segundo os cientistas, poderia em
alguns anos comprometer o equilíbrio climático da Terra. No imediato, o Brasil
afirma-se como o novo centro da pandemia mundial que, diferentemente dos
precedentes chineses, europeus ou estadunidenses, está totalmente fora de
controle.
A
pandemia que estamos vivendo nos mostrou, uma vez mais, que nossos destinos
neste planeta são compartilhados. Permitir que o Brasil caia em uma ditadura de
extrema-direita trará consequências sombrias para todos nós. Ajamos enquanto
ainda é tempo!
A
Rede Europeia pela Democracia no Brasil originou-se do movimento de
solidariedade internacional que se criou, desde 2016, diante do abalo do Estado
de Direito neste país. Durante muitos anos, a comunidade internacional observou
de braços cruzados o crescimento de forças autoritárias no coração da segunda
maior democracia do mundo ocidental. Chamamos a uma tomada de consciência das
mídias e da opinião pública europeia. Demandamos aos dirigentes das diferentes
nações e da União Europeia a afirmar sem ambiguidade seu apoio aos democratas
brasileiros, ao Supremo Tribunal Federal, aos governos dos Estados federados e
ao Congresso, diante dos ataques do Presidente Bolsonaro e de seu entorno.
Diante de um Executivo obcecado por seu pertencimento ocidental e inquieto por
sua reputação internacional, a Europa pode agir impondo ao Brasil severas
sanções diplomáticas e comerciais, em particular contra os setores ligados ao
desmatamento e às empresas associadas ao poder bolsonarista. A pandemia que
estamos vivendo nos mostrou, uma vez mais, que nossos destinos neste planeta
são compartilhados. Permitir que o Brasil caia em uma ditadura de
extrema-direita trará consequências sombrias para todos nós. Ajamos enquanto
ainda é tempo!
Antoine Acker Professor adjunto na Universidade de Zurique
Marcos Colón Professor na Universidade Estadual da Flórida
Maud Chirio Professora adjunta na Universidade Gustave Eiffel
Olivier Compagnon Professor no Instituto de Estudos Avançados da América Latina de Paris
Juliette Dumont Professora adjunta no Instituto de Estudos Avançados da América Latina de Paris
Anaïs Fléchet Professora adjunta na Universidade Paris-Saclay
Membros da Rede Europeia pela Democracia no Brasil
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Brasil-chegou-a-hora-da-condenacao-internacional/4/47736
*Publicado
originalmente em Publico.pt
https://www.publico.pt/2020/06/05/opiniao/opiniao/brasil-chegou-hora-condenacao-internacional-1919549
......
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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro