sábado, 22 de junho de 2024

NOITE LONGA * Pedro Cesar Batista/DF

NOITE LONGA
Foto: Danilo Lins
PREFÁCIO

Um militante em tempo integral
Hélio Doyle

Na longa noite insone de Gregório, o personagem deste conto, manifestam-se as reflexões, angústias, memórias, decepções e desabafos do jornalista e militante político Pedro Batista. O pensamento noturno de Gregório flutua entre acontecimentos recentes e mais distantes que marcaram não só o mundo e o Brasil como a vida agitada e intensa de Pedro.

Pedro deu a seu personagem, que tudo indica ser ele próprio, o nome de Gregório, o que imagino possa ser uma homenagem ao militante exemplar Gregório Bezerra, um dos maiores quadros do Partido Comunista do Brasil, em 1962 denominado Partido Comunista Brasileiro.

O autor de “Noite Longa” é um militante político ao estilo dos leninistas, dos comunistas retratados por Jorge Amado em “Subterrâneos da Liberdade” e dos que lutaram contra a ditadura em que vivemos por 21 anos. Está inteiramente dedicado à causa do socialismo e de seus pressupostos humanitários e libertadores, sacrificando para isso sua vida pessoal e profissional. É agitador e propagandista. É um internacionalista na plena acepção do termo. Combate em tempo integral o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo. Domina a teoria revolucionária e a leva à sua prática.

Não à toa, Pedro foi um dos jornalistas e militantes espionados ilegalmente pela Abin do governo que felizmente é agora passado. A propósito, seu irmão, o deputado estadual João Carlos Batista, militante das causas populares no Pará, foi assassinado em 1988 por seus inimigos políticos.

É natural, pois, que Pedro faça uma reflexão sobre o que aconteceu e vem acontecendo com a esquerda, suas contradições, ilusões, erros e deformações. Desde as ilusões diante de um sindicalista polonês que parecia lutar por liberdade, mas que na verdade era um instrumento do anticomunismo, até a deformação de um dirigente partidário milionário que se satisfazia com debates teóricos e inúteis. Pelo pensamento de Gregório, Pedro fala dos erros cometidos pelos republicanos de diversos matizes na luta contra o fascismo na Espanha e das consequências do fim da União Soviética, aplaudido por muitos comunistas e socialistas.

Cita ainda episódios importantes da vida política, dos tempos da ditadura até a recente tentativa de impor ao país um regime autoritário e fascista. Fala da militância quando jovem. Mostra, no texto, uma de suas características: a firmeza de suas convicções, o que o faz respeitado inclusive pelos que discordam de algumas de suas ideias. Não é preciso concordar com tudo o que pensa para admirar sua persistência, dedicação e trabalho.

Diz-se que os verdadeiros comunistas combinam o realismo da análise concreta da situação concreta com o otimismo diante da construção de uma nova sociedade. Gregório – ou Pedro – manifesta esse otimismo, apesar de todos os percalços enfrentados por ele e da difícil realidade em que vivemos hoje, com a ascensão do fascismo e do nazismo, o avanço da desigualdade social e as guerras provocadas pelos países imperialistas e colonialistas. Depois da noite longa de Gregório, a longa noite acaba e um novo dia desponta no horizonte.

As cores do anoitecer
Capa e ilustração: Camila Hardt

Gabriela Gomes

Neste livro, Gregório nos convida a uma aventura nos céus da memória de uma noite longa, enquanto Pedro atenciosamente registra e nos conta nestas páginas. Noite Longa é uma mistura de emoções e sentimentos de uma vida de lutas. Pedro carrega o sentimento dos céus e dele se faz inteiro coração. Um combatente incansável, que vê na luz da noite a força da resistência para que o amanhecer desperte toda humanidade. Juntos compartilhamos a integridade do ser humano, com sangue pulsante, com veias que nos irradiam, carne e osso. Somos inteiros diante toda a perversidade que busca nos fragmentar. Todos nós somos Gregório, somos a resistência, somos noite e dia.

Admiramos as cores do amanhecer, nelas estão refletidas o novo dia em seu mais avermelhado tom. Sabemos que estão lá; o lilás, laranja, o vermelho, enquanto os pássaros nos anunciam o despertar de cidades e campo, quando o orvalho abre espaço para o florescer. Talvez a dúvida que não nos deixa dormir seja a paleta de cores de uma noite longa, quando se tem a lua refletindo a luz do sol e quando os pássaros já repousam em seus ninhos. Somos movidos pelos nossos questionamentos que um novo dia nos traz e que a noite resguarda.

A noite de Gregório é a noite de todos nós que resistimos perante a dor, a solidão, o preço da clareza dos males que assolam nossa humanidade, a inquietude das injustiças, da violência que usurpa nossos direitos, do sangue do entardecer. Sinto que ainda estou ao lado de Gregório, em sua sacada, que já não cabe tantos pensamentos. Compartilhando com ele a dúvida de um café a mais, de um cigarro não fumado, e sentindo sua inquietação de pensamento em pensamento.

A noite longa é de todos nós que sentimos as injustiças, as opressões, as traições, os amores perdidos e as lutas que marcam a história dos nossos povos em todas as partes do mundo. Desde a Revolução de Outubro, à Guerra civil espanhola, à ascensão do fascismo na Europa e o fim da URSS com a proliferação do consumismo e do individualismo, germes do capitalismo.

Ando para lá e para cá, junto a Gregório, pensando em como a opressão do Estado calou e escravizou nossos povos, em como discurso contra o socialismo foi impulsionado pela mídia e esteve na boca de tantos que prometiam liberdade como Lech Walesa, mas que algemaram a luta popular em seus calcanhares, traindo nossas noites e dias.

Ando e procuro por Zuleida, que assim como Gregório carrega a perseverança e a clareza de dias melhores, que tem ao seu lado a dignidade e o brilho do amanhecer da luta.

Viver para a luta é se desafiar pelos dias e noites. É a busca incansável pelas respostas de tanta mentira e manipulação. Como vivemos o que restou de dias tão gloriosos? Como amanhecemos nesta realidade tão cruel, desigual, que implode a emancipação dos povos? São noites longas pensando, tentando entender. São dias de memórias que não cessam na sacada do apartamento de Gregório, que não deixa a tristeza e a solidão cegarem seu horizonte.

Somos Gregório, somos Pedro, inteiros corações. Temos o sentimento da aventura dos céus. São muitas lutas e vitórias para contar, derrotas para cicatrizar. Para um novo dia raiar é preciso que venha a noite, que venham os pensamentos para que enxergarmos as cores e tons da memória das lutas e batalhas fincadas, do sangue dos povos, da história viva do que foi, do que poderia ter sido e do que virá. O tempo matura enquanto a história nos revela e o céu colore. Gregório é feito disso. Assim como a vida, assim como é este conto, assim como é nossa luta. Sempre lutando por um novo amanhecer, esperando que o céu avermelhado irradie nossos dias de vitória. Desejo que este conto lhe irradie tal como nossas veias, tal como o raio do sol numa caminhada de domingo, tal como a lua que reflete a luz das nossas lutas durante uma noite longa.

APRESENTAÇÃO

Sempre vem a manhã

O autor.
A escuridão da noite é a garantia de que chegará o amanhecer. Nem importa a duração que tenha, muitas vezes as horas, minutos e segundos se transformam em séculos, especialmente quando se sofre a solidão do tempo em que a violência e a mentira parecem não ter fim, quando os opressores avançam na exploração e opressão, deixando massas enormes felizes por se tornarem escravas, sem nem imaginarem que caminham ao abatedouro.

Noite longa é isso, apesar da tristeza, dos questionamentos, de tantas derrotas e dúvidas, o protagonista não desiste de buscar entender as causas de tantas manipulações, retrocessos e de seus questionamentos, tantos que lhe impedem de conseguir dormir.

Gregório em seus pensamentos faz uma síntese de quem enfrenta noites longas, o arbítrio, a tortura imposta pela lei do Estado, que usa toda sua força para manter a dominação. Gregório em sua permanente busca e confiança de que viverá um novo tempo, que poderá ter a felicidade e a justiça plena a todos, sem exceção. Zuleida, paixão de Gregório, sempre é lembrada, perderam-se pelas estradas da vida, acredita que a reencontrará, depois de terem tido momentos de tanta magia e ousadia no enfrentamento ao abuso da burguesia e seus lacaios.

A noite é para descansar, repousar e poder recuperar as forças para seguir o dia que virá. Gregório não consegue. Como dormir?

Tudo foi pensado e executado nos mínimos detalhes. Criaram um papa e um líder sindical, os dois do mesmo país, a Polônia. Vieram com tarefas bem definidas: destruir a URSS, confundir a juventude e as massas, acusando o socialismo, usando um discurso aparentemente moderno e democrático. Quantos não se deixaram enganar e colocaram o broche do Solidarnosc na lapela acreditando que falavam em liberdade e justiça? Quatro décadas depois Lech Walesa se tornou uma das principais lideranças da extrema direita a percorrer o mundo propagando o fascismo e combatendo o socialismo. Será que Gregório conseguirá dormir? Nunca ele leu ou escutou alguma autocrítica de quem defendeu esse movimento anticomunista.

Gregório é só, não tem ninguém ao seu lado, quando em uma manhã cruza com sua família, endinheirada e reacionária. Tomam um café, conversam amenidades e se despedem. Ele sofre por não ter ao seu lado na defesa do que acredita ninguém de sua família. Isso o deixa triste, pensa nas contradições que formam as famílias, as manipulações e o uso da religiosidade para criar verdadeiras escolas de maldades, individualismo e egoísmo, a partir da infância. As contradições geracionais, políticas, ideológicas e culturais. Ainda assim ele gostaria de ter uma família.

E a ditadura de 1964, que tem gente do povo, pessoas humildes, desempregadas ou operários e camponeses pobres que repetem o discurso de que a ditadura foi boa e precisa voltar. Não é apenas desinformação, ignorância política, certamente há um sentimento de maldade, de perversidade e de crença de que é preciso prender, torturar e matar quem não pensa igual a eles. Creem que os comunistas precisam ser mortos, repetem tudo que a burguesia propaga em suas mentiras, confiantes de que aquilo de fato é verdade.

Uma noite infindável segue. Gregório tenta dormir, mas a noite é longa, enquanto uma vontade irresistível de ver Zuleida, de acender um cigarro e poder receber o carinho do vento lhe apodera. Ele está só, não acende o cigarro, parou de fumar há tempos.

Como explicar ainda haver pessoas que apoiem o nazismo e são anticomunistas? Se não fosse a URSS derrotar Hitler o que seria da humanidade? Quem é propagado como os responsáveis por derrotar o nazismo, os EUA e outros países europeus, foram apoiadores da Alemanha nazista. O objetivo era derrotar os comunistas soviéticos. Deu errado, os nazis foram derrotados pelos comunistas, mas a propaganda nega e esconde isso. A mentira segue sendo disseminada como verdade, enquanto massas ignaras, ou mesmo acadêmicas, repetem as mentiras. O discurso anticomunista vem de todos os lados, inclusive de quem se auto intitula esquerda. Como combater isso? Gregório se aflige em sua solidão histórica na noite que tem apenas uma lua crescente e as estrelas em sua companhia.

É período da pandemia. Mortes acontecem aos milhares, não são bombas, mas a propaganda de que é apenas uma “gripezinha”, que “os fortes viverão”, que a “economia não pode parar”. Isso tudo é mostrado na prática por um presidente que anima a morte sem nenhuma vergonha, inclusive arrastando multidões. O que fazer? Como enfrentar isso sem resistência, sem unidade e sem organização?

Gregório segue entre sua cama, a cozinha e o parapeito da sacada de seu apartamento na cidade de Brasília, não consegue relaxar. Seus pensamentos são atribulados, somente a lembrança de Zuleida o acalma. Onde ela andará? Lembra do Soma, que mesmo não sendo distribuído ao entardecer ajudaria a descontrair e manter as pessoas manipuladas. Huxley previu este tempo.

A noite não acaba, parece não ter fim, diante de tantas indagações e dúvidas. Como perder o poder na Espanha Republicana? As divisões seguem em cada ação, pensamento e lutas. Como explicar a queda da URSS? Derrotas que poderiam ser evitadas.

A luta contra a ditadura foi vitoriosa? Como explicar todos os torturadores e assassinos livres e ainda propagando que são bons e justos ao preço de tantas perdas, tristezas e assassinatos? O que faltou para derrotar definitivamente os terroristas fardados e civis, organizados e financiados pelos EUA, que deram o golpe em 1964 e ficaram por 21 anos no poder e ainda hoje seguem impunes e livres? Gregório lembra da infância, milhares de soldados seguindo para o Araguaia para assassinarem os jovens que lutavam por um país justo e livre, iam também perseguir a população que acreditava que seria possível viver um mundo de justiça. Os caminhões com os soldados pareciam uma grande serpente na floresta nas estradas empoeiradas.

Gregório não duvida, a humanidade já descobriu o caminho do paraíso em terra. Assim foi na Comuna de Paris ou com a Revolução Rússia. Ainda haverá tempo de retomar a linha vermelha da história, onde a dignidade, o amor e a poesia entejam efetivamente integradas e possam fazer a felicidade existir?

O dia está para amanhecer. A aurora começa a despontar. Gregório observa o sol nascer. Nasce uma nova manhã.

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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro