UMA PONTE PARA O FUTURO:
Rubens R. Sawaya / Jornal dos Economistas
Michel teria dito em uma de suas declarações que Dilma caiu porque não aceitou realizar o programa Uma Ponte para o Futuro, publicado em outubro de 2015, de autoria de Roberto Brant em colaboração com Marcos Lisboa (Folha de São Paulo, 22/03/2016). Lisboa declarou: “é um documento que enfrenta os problemas. Normalmente, fala-se muito em manter direitos e, magicamente, resolver os problemas. Nunca se sabe bem quem vai pagar a conta. No documento, é a primeira vez que se enfrentam os problemas e se diz ‘todos teremos de arcar com sacrifícios’” (Re- vista Época, 25/04/2016). Samuel Pessoa, embora afirme não ter participado diretamente da redação, afirmou que a Ponte para o Futuro produz um pacote de medidas que “administra o nosso conflito distributivo de forma civilizada”, e completa: “a Ponte para o Futuro é um encaminhamento tecnica- mente correto para esse problema” (Jornal Valor, 20/05/2016). Ou- tro importante apoiador foi Armínio Fraga, ao apontar que “o programa ‘Uma ponte para o futuro’ é um bom roteiro, precisa agora ser executado” (O Estado de São Paulo, 03/05/2016). Apesar des- se grupo de mentores do projeto, Joaquim Levy declarou seu to- tal apoio, aprovou a lei do teto de gastos (12/2015) e realizou radical corte de gastos, um ajuste fiscal que provocou uma queda de 3,5% no PIB naquele ano.
O programa Uma Ponte para o Futuro defendia a “obtenção de um superávit primário capaz de cobrir as despesas de juros” (p.13), portanto cortar todas as despesas sociais, administrativas e outras operacionais para gerar superávit a fim de garantir o pagamento de juros ao rentismo. Prometia “uma grande virada institucional e a garantia da sustentabilidade fiscal, que afetarão positivamente as expectativas dos agentes econômicos” (p.16). Imaginava que, com isso, promoveria o crescimento econômico “sustentável”, criando um “ambiente de negócios favorável” para “viabilizar a participação mais efetiva e predominante do se- tor privado” (p.17). Qualquer semelhança com o discurso do atual ministro da Economia não é mera coincidência. Ele está implantando exatamente o mesmo projeto, em continuidade ao governo Te- mer e a Joaquim Levy.
O projeto desmonta as estruturas de Estado que permitem o desenvolvimento capitalista (va- le enfatizar o termo) no Brasil e a realização de políticas sociais em garantia mínima de distribuição de riqueza aos menos favoreci- dos, mais da metade da população brasileira, que hoje vive em insegurança alimentar no país que se orgulha de ser o maior exportador de alimentos para o mundo.
É fácil demonstrar os números do fracasso da proposta. E não é culpa da pandemia. A taxa de desemprego no final de 2019 já esta- va próxima dos 13% (hoje é superior a 14%). A dívida pública bruta como proporção do PIB, que era cerca de 50% em 2014, com a po- lítica de ajuste fiscal, chegou a qua- se 90% no fim de 2019 e hoje está em torno de 100% (pelo método antigo). O PIB acumula uma que- da de 6,7% em 2020 contra 2014, comparação que já era negativa em 2019, antes da pandemia. Em ter- mos de conjuntura macroeconômica, Uma Ponte para o Futuro foi um desastre, e continua sendo com Guedes, que lhe dá prosseguimento com apoio dos “mercados”.
Se os resultados demonstram a destruição da estrutura produtiva brasileira e o caos social, as reformas estruturais que acompanham o projeto vêm se tornando leis para proibir mudanças futuras. As leis visam a impedir que o Esta- do faça políticas sociais distributivas e políticas econômicas para o crescimento. Isso sem mencionar a proposta explícita no Programa de facilitar e diminuir os controles burocráticos que atrapalham o licenciamento ambiental (p.19), le- vadas a cabo no atual governo.
A política de teto de gastos de 12/2015 visa a impedir legalmente o Estado, nos próximos 20 anos, de fazer política fiscal e investimentos em infraestrutura em setores básicos da economia, mesmo nos setores que não interessam ao capital privado. A independência para o Banco Central – que também constava no Programa – completa o pacote ao impedir o Estado de realizar políticas monetárias de incentivo ao crescimento. Ao Ban- co Central só é permitido administrar a taxa de juros – gasto não restringido pela política do teto – em favor do capital rentista, sob a justificativa de combate à inflação, sempre suposta de demanda mesmo que esta seja de custos, sob o pretexto de garantir a confiança.
O ajuste fiscal, na tentativa de garantir o teto, justifica a privatização do resto de estatais que sobrou da onda de privatizações da década de 1990. A venda fatiada da Petrobras inviabiliza que a economia se beneficie do efeito dinâmico do setor, dos investimentos envolvidos, na engenharia pesada, na produção de derivados, em to- da a cadeia de valor produtiva que poderia ser desenvolvida em torno da empresa. Além disso, ago- ra paga-se o combustível em dó- lar, dado que não é mais nacional, elevando os cursos internos para todos os setores e a inflação. A venda da Eletrobrás completa o pacote de desmonte. Entrega à lógica privada um setor estratégico para o crescimento. Também se pagará a energia elétrica em dólares, mesmo que seja produzida pe- la água nacional, combustível hídrico que será privatizado.
O impacto da lei do teto sobre as políticas sociais é mais grave. Já estava na proposta da Ponte Para o Futuro de “acabar com as vinculações institucionais com saúde e educação” (p.9) e de desvincular o salário mínimo da inflação (p.10), política levada às últimas consequências no governo atual.
A reforma previdenciária gera, no médio e longo prazo, o empobrecimento das faixas mais vulneráveis da população. Realizada em conjunto com a reforma trabalhista de “uberização” das relações de trabalho, formaliza o trabalho precário. Além disso, eleva o déficit da Previdência ao acabar com a própria fonte de recursos para as aposentadorias, que eram pagas pelos próprios trabalhadores em regime de repartição.
Está ainda em curso a reforma administrativa. Permitirá a dissolução da estrutura da burocracia de Estado que garante base técnica e cientifica para suas ações – em parte freia a loucura dos governantes de momento. Subordina assim a substituição de cargos técnicos a indicações políticas. Permitirá um total aparelhamento do Estado pela indicação política a cargos-chave. Marcará a desestruturação final do Estado.
Para o total desmonte da capacidade de ação do Estado, resta ainda a reforma tributária. Proposta sob o argumento de “simplificar a vida das empresas”, não vai ao âmago do problema, que é uma carga fiscal extremamente regressiva, que recai sobre os mais pobres, que pagam mais impostos indiretos. Além disso, impedirá o Esta- do de fazer política fiscal tributária a fim de incentivar setores específicos da economia em qualquer estratégia de crescimento.
A destruição do Estado brasileiro é radical, afetando sua capa-
como estava na Ponte para o Futuro, e o Brasil teria uma “chuva” de investimentos estrangeiros que “colocaria o país na rota de crescimento”, como propagandeia o atual ministro.
Mais grave, os defensores do Programa apontam que a taxa de “crescimento sustentável” (não inflacionário nos cânones ortodoxos) seria de 2,5% a 3%, percentuais que tornam impossível a diminuição da taxa de desemprego, não levando em conta que, no capitalismo, o emprego é a forma de inserção social e distribuição de renda. Talvez não seja mesmo esse o objetivo, co- mo revelado em 2015 pela afirmação dos mentores da Ponte para o Futuro, ao afirmarem que a taxa de desemprego, em torno de 6%, esta- ria muito baixa em 2014.
O país caminha para se tornar “pária do mundo”, um grande fazendão primário-exportador com sua população vivendo na mais absoluta miséria, estruturalmente pobre. Anos após a Ponte, já é possível afirmar que as reformas atuam como o “tratamento precoce”, sob o argumento de que, resolvendo-se a questão fiscal, o cresci- mento viria da forma automática. Esse remédio, sem comprovação histórica, cheio de efeito colaterais às instituições (destrói o Estado), resultou em 14,7 milhões de desempregados, 33 milhões de desalentados e 60% da população com insegurança alimentar.
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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro