O evento do 11 de Dezembro, talvez seja o ponto de partida mais emblemático para discorrermos sobre o Taliban. Isso porque, os Estado Unidos atribui a autoria do suposto atentado (suposto, tendo em vista que a implosão das torre gêmeas é algo no mínimo esquisitos), à Osama Bin Laden, que se encontrava no Afeganistão neste momento, após sua estadia no Sudão e apoio financeiro e estrutural a este país. O que nos foi contado, é que os Estados Unidos invadiu o Afeganistão para captura de Osama Bin Laden. O que não nos foi contado, é que a época do “ataque” ao World Trade Center, Osama Bin Laden havia se retirado do Sudão, para evitar que os Estados Unidos interferisse e apoiasse um golpe para colocar no poder um governo que seguiria suas orientações, viajando para o Afeganistão a convite de Mulah Omar. A partir da negativa do líder do Taliban, em entregar Bin Laden, os Estados Unidos tem aí o pretexto que queria para invadir o Afeganistão.
Após esse recorte, o Taliban, antes um desconhecido do Ocidente, passa a ser um nome recorrente nas mídias mundiais. Mas esse movimento tem uma trajetória longa e conhecida do Oriente.
Após sua formação, o Taliban seguiu conquistando muitas vitórias contra seus inimigos e assumiu o controle de uma grande área do Afeganistão. Sua formação está intrinsecamente ligada a cultura e ao código social do povo pashtun. “Por serem extremamente independentes, os pashtuns sempre tem defendido sua terra natal contra invasores estrangeiros” (MILITARY Review, Setembro – Outubro 2008). A União Soviética sempre tentou investidas no território afegão. No século XX, o Afeganistão experimenta a estabilidade no governo de Zahir Shar, mas em 1978, por influência da URSS, o governo é tomado pelo Partido Democrático do Povo Comunista do Afeganistão. Historicamente, o povo afegão sempre sofreu disputa de territórios e tentativas de invasões, o que os levou a constituir seus grupos de resistência, entre eles, os chamados Mujahidin, grupo que deu origem ao Taliban. A fim de combater a resistência ao governo aliado, a União Soviética despejou suas tropas no Afeganistão, em 1979. O saldo da ocupação militar soviética foram a morte de 1,3 milhão de afegãos, destruição da agricultura e da zona urbana e a fuga para campos de refugiados de 5,5 milhões de afegãos, no Irã e Paquistão.
Em fevereiro de 1989, os soviéticos retiraram suas tropas, mas deixaram grandes depósitos de armamento para o suporte do governo aliado. Porém, esse apoio material minguou em 2 anos até cessar em definitivo, deixando a gestão comunista às própria sorte. A falta de suporte e a guerra civil estourada em 1992, levou o governo comunista a renunciar no mês de abril.
Os grupos resistentes ao governo comunista, os Mujahidin, foi uma resistência forjada nas madrassas wahabes de influência paquistenesa, uma vez que a presença wahabista era muito forte nessa região. Os estudantes dessas madrassas, em sua maioria pashtun, absorveram a forma de interpretação dessa linha, que se propõe a um radicalismo que desvia a real interpretação do Alcorão e do código de leis Islâmicas, a Sharia. Os estudantes (talib) dessas madrassas apresentaram propostas mais conservadoras e o discurso de que essas propostas estavam mais alinhadas ao islã, ganharam forte popularidade entre o povo afegão, que estava esgotado com a guerra civil.
Além da formação ideológica, o Paquistão foi responsável pelo treinamento e financiamento dos Mujahidin, agora denominado Taliban, via Estados Unidos.
Após conquistar Candahar, em 1994, o líder do movimento Mulah Muhammad Omar consolida sua liderança perante o povo . Posterior a esse evento, o Taliban teve sucessivas vitórias e em 1997, eles já controlavam 95% do território afegão.
Inicialmente, o Taliban conquistou o apoio e a simpatia popular, inclusive a níveis internacionais, no entanto, a sua interpretação fechada e ultraconservadora da Sharia, fez com o grupo se perdesse em seu projeto, causando forte opressão na população, principalmente em mulheres. Muito embora esse fundamentalismo tenha sido o pior inimigo do Taliban, não se pode negar que o país alcançou alguma estabilidade, reconstrução da economia e a pacificação civil por alguns anos.
A relação dos Estados Unidos com o Paquistão, é algo que merece uma análise a parte e que nos ajuda a entender as afirmativas entre estudiosos e leigos (que reproduzem a informação sem uma análise profunda) de que o Taliban foi uma criação norte americana. Adoto o pensamento de que a fome do imperialismos soviético causou a reação de indignação na parcela da população que não se vendeu à gerência estrangeira. Essa indignação foi a mãe dos Mujahidin. Sem recursos e a necessidade de um preparo para a luta armada, esse suporte veio através do vizinho Paquistão, que ofereceu a base organizacional e estrutural através do financiamento norte americano.
Penso também, ser ingenuidade acreditar que a União Soviética queria implantar um governo socialista nessa região. A União Soviética, que buscava se consolidar como potência, em um momento de bipolarização entre socialismo x capitalismo, era fundamental, dominar um território que lhe possibilitasse o desenvolvimento naval, já que URSS não tem mar e o Afeganistão seria uma região que garantiria o controle de outros territórios ao redor. Em tais circunstâncias, os Estados Unidos necessitava encontrar uma estratégia que não permitisse que a União Soviética despontasse como potência superior a ele. Todas essas relações devem ser consideradas e analisadas, para que possamos entender o papel do Taliban no game dos interesses imperialistas.
Sem o controle do Afeganistão, os Estados Unidos buscou várias formas de ter esse acesso, estabelecendo uma relação de trocas com o Paquistão. Mas o que há por traz desse política entre esses dois países, além do terror diplomático e constante ameaça de invasão ao Paquistão? A concessão de bases militares aos Estados Unidos, as quais se integraram indianos, e tantas outras situações que levaram os Estados Unidos a contar com a possibilidade de que tinha o Paquistão em suas mãos, a injeção de capital norte americano nessas empreitadas em território paquistanês, foram elementos sabiamente usados pelos paquistaneses que, muito embora concedesse facilidades aos EUA, ao mesmo tempo, ajudava na estrutura do Taliban com esse mesmo capital. Há muito mais coisas que não sabemos nessas relações de poder, do que se possa imaginar.
Faremos um salto agora, haja vista que há muito a discutir e este pequeno e humilde trabalho, não dará conta de tal abrangência. Sem o controle do Afeganistão, os Estados Unidos tem, na ocasião do 11 de Setembro, a oportunidade de criar um pretexto para invadir o país.
Sirajudin Haqqani
Após o trabalho como agente da CIA, a figura de Osama Bin Laden, que pertence uma família riquíssima no Oriente, passa a integrar as lutas revolucionárias pelo islã. No momento desse contexto, Bin Laden encontravasse no Sudão, na trabalho de colaboração financeira para alavancar o país. Os Estados Unidos, que também queria um governo no Sudão, aliado a eles, buscava a trama para matar Bin Laden e articulava um golpe para colocar no poder um grupo que governasse o Sudão e lhe desse apoio e abertura neste território. A partir disso, Osama se retira para o Afeganistão, sob a proteção de Mulah Omar. No momento dos supostos ataques às Torres Gêmeas, Osama Bin Laden estava como hóspede do líder Taliban.
Os Estados Unidos pede a entrega de Osama e tem seu pedido recusado por Mulah Omar, o que se torna o pretexto ideal para planejar a operação Enduring Freedom, na qual as tropas norte americanas invadiram o Afeganistão e desmantelaram o país e o Taliban. Muitos combatentes do Taliban se incorporaram à sociedade como pessoas comuns, e os líderes passaram a viver na clandestinidade, ressurgindo em grupos de insurgentes.
Durante todos esses anos de ocupação norte americana, o que se pode analisar, é que os Estados Unidos nunca teve o controle total da região. Os governos que sucederam a queda do Talibã e que foram colocados no poder pelos Estados Unidos, o que já derruba a visão de uma escolha democrática deste povo, não foram capazes de oferecer à sociedade afegã um desenvolvimento próspero e hoje se observa um Afeganistão arrasado, desemprego, miséria e desordem. Esses governos também não foram capazes de conquistar a confiança e acolhida de uma boa parte da população. Talvez seja possível entender por esse viés, a razão pela qual os movimentos de insurgência foram ganhando força gradativamente no país. Entendo que, nenhum movimento de resistência se agiganta, sem apoio popular.
Essa insatisfação com o atual cenário e a percepção que sempre foi presente entre o povo pashtun, e isso está enraizado em seu código relacional social quanto à sua autonomia e resistência aos invasores, criaram as condições necessárias que levaram ao recrutamento de novos membros aos núcleos de resistência administrados pelo Taliban.
Entendam que a discussão aqui, é uma proposta de análise sob a perspectiva de resistência ao imperialismo e não tem a intenção de negar os erros cometido pelo Taliban. Não se trata de santifica-los ou demoniza-los. É antes de tudo, uma leitura de que é possível resistir aos que desejam o controle de seu povo, o desmonte de sua cultura, a demonização de sua religião e milhares de outros ônus que o imperialismo obriga aos seus subjugados.
Talvez, em maior instância, o Taliban tenha contribuído para que este mesmo imperialismo encontrasse espaço entre os seus. As mentes já colonizada no Afeganistão não deixa de ser um número expressivo. Penso que o próprio grupo é capaz dessa autocrítica e que os anos e o recrutamento de novos integrantes, foram elementos que corroboram para uma nova visão e estratégia do Taliban.
Também é ingênuo pensar, que essa retomada do poder em agosto de 2021, não tenha sido fruto de muitas conversações. Mas no jogo geopolítico nesse momento, talvez não caiba o derramamento de sangue e a violência exacerbada. É preciso inteligência, cautela e estratégia para se consolidar novamente e perceber o que sua população espera sem se desvirtuar de sua religião e seus códigos. Um governo fortalecido e que não dá espaço à controles externos e defende suas riquezas da exploração do colonizador, precisa do apoio maciço de seu povo.
A questão de gênero no Afeganistão, talvez tenha sido umas das munições mais fortes contra o grupo, em relação a opinião pública internacional. Após o episódio do 11 de Setembro, a religião Islâmica ficou evidenciada para o mundo como algo perverso. Isso trouxe à tona, as particularidades e características da base ideológica do Taliban, ao mundo. A interpretativa radical e deturpada da Sharia, que mais desfavoreceu as mulheres, proibindo-as de frequentar escolas e ao uso compulsório da burka, foi e é a grande tônica na negativização do Taliban para a opinião pública mundial. A ignorância mesclada com preconceito e ódio, levou o mundo a ver o islã, a partir desse recorte, desse país de muçulmanos. É fato que, o islã possui um modo diferente de estabelecer suas relações sociais, nas mais diversas instâncias, muito diferente do que há no Ocidente. No entanto, o islã sustenta a máxima de que, a busca pelo conhecimento deve tocar a todos os seus seguidores, sejam homens ou mulheres, e a negação ao acesso escolar para mulheres, fere esse princípio, assim como o uso da burka, que deveria configurar como uma escolha, já que o islã orienta guardar os corpos, sejam eles femininos ou masculinos.
Analiso que, essas questões que são braços da proposta deste artigo, não podem descredenciar a luta destes homens por anos, contra as investidas imperialistas. É necessário fazer a crítica mas resguardando a separação dos erros e dos esforços empregados em uma gestão tipicamente afegã, sem o controle e a exploração de outro país.
O atual cenário, nos sugere um contexto novo e que traz muitas informações que anunciam uma forte mudança na geopolítica dessas bandas de cá. A China agora, é o “cajado do profeta Moisés”, dividindo o mar para a passagem de um povo sob o domínio de outro. Será a China um caminho seguro aos países Islâmicos? Creio que não. No entanto, é preciso correr riscos para se fortalecer. Hoje a China propõe uma grande parceria com os países muçulmanos, principalmente o Paquistão. A partir dessa “parceria” será possível a formação de um bloco de cooperação econômica entre esses países, o que poderá fortalecer a economia dessas nações. O projeto da grande estrada que interliga vários países menores como Azerbaijão, Bangladesh, Afeganistão, entre outros, a partir do Paquistão, até a Turquia, para escoar mercadorias da China, dinamizará a economia desses países. Uma economia estruturada propõe um país fortificado e menos suscetível ao imperialismo. Isso também fortifica a sociedade e fortalece a religião. Claro que esses países ficam na observância do oportunismo chinês sempre.
O Taliban de hoje, tem ciência de toda essa trama. É necessário se abrir para criar raízes fortes e elevar o povo afegão. No tabuleiro temos a aproximação com a China e o apoio do Irã, antes um inimigo por questões político-religiosas, no tocando ao conflito com os xiitas.
Há alguns pontos que merecem esclarecimento e que estão presentes na mentalidade coletiva mundial no sentido negativo ao movimento Taliban. Um deles é a questão do tráfico de drogas. O tráfico de drogas sempre foi um grande negócio, gerido pelos Estados Unidos. Um negócio que movimentava 15 bilhões de dólares anuais e que muitos atribuíram ser um empreendimento do Taliban. As grandes fazendas com plantações de papoula movimentavam um imenso mercado com a venda de drogas produzidas a partir dessa planta. O principal mercado consumidor desse produto cujo fornecedor é os Estados Unidos, era América Latina e o Brasil estava entre seus compradores. Agora, as fazendas foram queimadas pelo Taliban.
Muito se fala também que não foi uma vitória honrosa do Taliban, porque não houve uma guerra que dizimasse centenas de vidas e o que talvez custasse mais ódio ainda pelo mundo islâmico, já que as pessoas não tem ou não querem ter as informações necessárias para fazer suas considerações. O Taliban agiu no sentido de desgastar o governo e o controle imperialista dos Estados Unidos. Havia um acordo sim, uma vez que os Estados Unidos já não tinha mais condições de sustentar a invasão ao país. O acordo previa a libertação dos prisioneiros afegãos, a retirada das tropas, o exílio do ex presidente Ashraf Ghani.
No atual momento, o Taliban discute sua nova estrutura e organização. Ainda não existe conformidade sobre os nomes definitivos no organograma gestor do país. Mas existe uma sólida proposta de uma administração mista, que oportunizará representatividade das tribos pashtun e de outras discidências Islâmicas, como xiitas. O nome mais forte para esse primeiro momento é Habaitullah Akhundzada.
As informações trazidas aqui, são frutos de leituras das fontes empurradas de uma forma violenta, para a colonizada formação de nosso conhecimento, pois é a grande verdade: não sabemos muita coisa, pois a manipulação de informações, nos forma preconceituosos, com leituras de fontes produzidas por pela ótica dos que sofreram nesse contexto de opressão, a coleta de muitas conversas com indivíduos que são partícipes de movimentos anti imperialistas no Paquistão e que estiveram ao lado do Taliban, no combate ao inimigo comum e a minha fantástica experiência in loco.
Dedico estas poucas palavras, diante da imensidão deste tema, ao meu pai Muhammad Iqbal Abid, ao meu esposo Muhammad Nauman Iqbal, homens libertadores e combatentes pelas justas causas de nossa religião, sempre dispostos às Jihads para a defesa dos nossos irmãos, ao movimento Khaksar Tehrik, que há de ser gigante neste mundo, levando ideias de equidade e justiça, numa perspectiva racional e Islâmica, à minha família no Brasil, de quem sinto imenso orgulho e saudade eternas de meu pai, aos amigos que fizeram seus contrapontos aos meus pensamentos de forma honrosa, respeitosa e política e aos amigos que comungam de minhas conexões de pensamento. Gratidão.
*Gilliam Nauman Iqbal é uma mulher muçulmana, feminista, ativista política e pró Palestina, formada em História pela Universidade Estadual do Maranhão, pós graduada em Sociologia das Interpretaçōes do Maranhão, povos e comunidades tradicionais, estudante de Foto-jornalístico pela Universidade Cruzeiro do Sul, Presidente do Instituto de Estudos e Solidariedade para Palestina Razan al-Najjar.
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