sábado, 23 de janeiro de 2021

Leonel Brizola, um patriota e revolucionário * Aurélio Fernandes / RJ

 Leonel Brizola, um patriota e revolucionário  

22/01/1922, Cruzinha, Rio Grande do Sul  

21/06/2004, Rio de Janeiro  

 Por Aurelio Fernandes*  

Novas ilhas, novos rios, novos vulcões fazem de nosso  

continente uma nova geografia.  

Queremos nova agricultura, outras forças juvenis, uma  

sociedade mais pura, novos protagonistas da história, que  

está nascendo e que temos o dever de construir.  

Quem pode estar contra a nova vida?  

Celebremos a chegada de Leonel Brizola no cenário da  

América como uma deslumbrante encarnação de nossas  

esperanças.  

Estamos cansados da rotina de miséria, de ignorância, de  

injustiça econômica.  

Abramos o caminho àquele que encarna hoje a possível  

construção do futuro. Pablo Neruda -  1959  

Brizola foi uma das grandes lideranças nacionalistas revolucionárias do Brasil no final do século  XX e no limiar do século XXI. Caracterizou sua atuação política pela crítica impiedosa ao modelo  econômico do capitalismo dependente e suas perdas internacionais e a concentração do poder  dos meios de comunicação de massa. Personificou a radicalização dos movimentos populares e  classistas nas lutas populares pelas chamadas “reformas de base” na primeira metade da década  de 60 no período imediatamente anterior ao Golpe de 64 e a defesa de um desenvolvimento  nacional voltado para as maiorias dentro de uma perspectiva socialista.  

Oriundo de uma família de camponeses pobres do interior do Rio Grande do Sul, viaja aos 12  anos para a cidade de Porto Alegre, onde concilia vários empregos – jardineiro, vendedor,  topógrafo, etc – com os estudos, conseguindo se formar em Engenharia em 1949, aos 27 anos. Em  1945 filia-se ao Partido Trabalhista Brasileiro - PTB - atuando em sua juventude, Ala Moça do PTB,  e elegendo-se deputado estadual em 1947. Aproxima-se das lideranças políticas de Getúlio Vargas,  líder histórico do trabalhismo brasileiro e de João Goulart, futuro presidente do Brasil, casando  com sua irmã, Neusa Goulart, que conheceu como militante na juventude do PTB.  

Em 1951, Leonel Brizola sofre uma grande derrota política ao perder a disputa pela Prefeitura  de Porto Alegre devido a divisões internas no PTB. Em 1952 é nomeado Secretário de Obras do Rio  Grande do Sul e retorna à Assembléia Legislativa daquele estado em 1954. No ano seguinte,  disputa novamente a Prefeitura da capital gaúcha. Desta vez, vence a eleição e desenvolve um  governo identificado com políticas voltadas para a educação popular, o saneamento, o transporte  público e apoiado pela maioria da população.  

Como reflexo de sua atuação na prefeitura, Brizola não teve nenhuma dificuldade nas eleições  de 1958, quando se elegeu governador do Rio Grande do Sul com mais de 55% dos votos válidos.  Marca sua gestão pelo compromisso com a educação, construindo mais de 6000 escolas, e pela 

implementação de políticas baseadas na lógica de desenvolvimento voltada para as maiorias, que  o levou a enfrentamentos diretos com multinacionais estadunidenses localizadas naquele estado.  Seu governo criou a Caixa Econômica Estadual e conquistou o controle acionário do Banco do  Rio Grande do Sul. Criou a empresa mista Aços Finos Piratini, articulou a instalação da Refinaria de  Petróleo Alberto Pasqualini e estatizou a Companhia Rio Grandense de Telecomunicações,  subsidiária da multinacional estadunidense International Telephone and Telegraph (ITT), e a  Companhia de Energia Elétrica Riograndense, filial da multinacional estadunidense American and  Foreign Power Company. Essas encampações foram consideradas pelo governo estadunidense um  precedente muito perigoso na América Latina e um mau exemplo para Cuba, que ainda não  nacionalizara nenhuma empresa estrangeira. O presidente Kennedy declara: esse homem não é  um amigo dos Estados Unidos.  

Além disso, incentivou a ampliação da mobilização popular no sentido de ampliar os limites da  democracia representativa. Ao assumir o governo, Brizola foi à sede do Departamento de Ordem  Política e Social e ordenou a queima dos fichários políticos e de todo o arquivo da polícia política.  Durante seu governo sindicatos, associações de moradores, bairros e vilas, agricultores sem terra,  professores e estudantes tiveram seus direitos democráticos e constitucionais garantidos. Brizola  cria a Secretaria do Trabalho com o objetivo de garantir o direito dos trabalhadores e implementa  a reforma agrária estimulando a formação do Movimento dos Agricultores Sem Terra – Máster.  

Em 1961 participa da delegação brasileira na Conferência da Organização dos Estados  Americanos, em Punta del Leste, Uruguai, onde conhece Ernesto “Che” Guevara. Durante o  evento, Brizola é o único delegado a aplaudir, de forma entusiasta, a intervenção de Che quando  este denuncia o papel do imperialismo estadunidense na América Latina. Brizola rompe com a  delegação brasileira quando esta apóia a resolução contra Cuba, mas não parte de Punta sem  antes se despedir de Che.  

Posteriormente, em agosto, quando da renúncia do Presidente Jânio Quadros, Brizola lidera um  movimento de resistência à tentativa golpista de impedir a posse constitucional do Vice presidente João Goulart, que se encontrava fora do país em visita à Republica Popular da China.  Através da “cadeia da legalidade”, Brizola convoca o povo brasileiro a resistir ao golpe. O III  Exército, o mais poderoso do país, adere à resistência democrática, milhares de pessoas em todo o  país se mobilizam para a resistência e em Porto Alegre Brizola distribui armas ao povo. A firmeza  de Brizola e o crescente apoio popular e militar à legalidade, retardou a conspiração da direita e  garantiu a posse de João Goulart.  

A “Campanha da Legalidade” fez de Brizola um líder nacional. Em 1962, pela primeira vez,  Brizola foi eleito deputado federal pelo antigo Estado da Guanabara, com uma votação recorde -  269 mil votos (cerca de 1/3 dos votos válidos). Como deputado federal, atuou veementemente na  defesa da implantação da reforma agrária e pela distribuição de renda no Brasil. Seu mandato foi  marcado pela articulação da Frente de Mobilização Popular, formada por parlamentares,  sindicalistas, estudantes, militares nacionalistas, camponeses obres e sem terra, dirigentes  comunitários dos vários movimentos sociais e políticos populares e classistas, que tinha como  principal objetivo pressionar para a realização das Reformas de Base que incluíam  fundamentalmente a reforma agrária, a reforma bancária, a restrição a remessa de lucros, o  combate a especulação imobiliária e a reforma universitária.  

Ao observar a resistência dos conservadores e do imperialismo estadunidense às  transformações em curso, Brizola convoca, através de uma rede de programas de rádio e do jornal  Panfleto, o povo a se organizar em Grupos de Onze em defesa das Reformas de Base. Nos Grupos  de Onze se encontram lutadores e lutadoras sociais das mais variadas organizações de esquerda -  comunistas, socialistas e nacionalistas revolucionários dos mais variados matizes – que iniciaram 

um embrionário processo de construção de uma vanguarda compartida da revolução brasileira em  torno ao jornal Panfleto.  

Uma vanguarda, liderada por Brizola, que na luta pelas Reformas de Base radicaliza as  bandeiras de afirmação nacional do nacionalismo - o protecionismo à indústria, a intervenção  estatal, a formação do mercado interno, a democracia política e social - dentro de uma visão  antiimperialista, revolucionária e popular e sustenta e aprofunda as lutas por uma transformação  social de caráter estrutural e de orientação socializante capaz de abrir caminho para o poder  popular e para o socialismo.  

No Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, Brizola defende a convocação de  Assembléia Constituinte de operários, camponeses, sargentos, marinheiros e homens  autenticamente identificados com as Reformas de Base que substituísse o Congresso reacionário e  abertamente golpista. Porém, a dinâmica golpista foi mais rápida e o confronto entre este projeto  de desenvolvimento voltado para as maiorias e os interesses das classes dominantes e do  imperialismo norte-americano resultou na instauração do regime militar.  

Brizola propõe a Jango que o nomeie Ministro da Justiça e ao General Ladário Telles Ministro da  Guerra para coordenar a resistência. Mas Jango descarta essa possibilidade e desarticula o apelo  legalista que ainda existia na oficialidade e nas massas populares. Com a deposição do presidente  João Goulart pelo Golpe de 1964, Leonel Brizola cai na clandestinidade antes de partir para o exílio  no Uruguai. Aos 42 anos vai viver o mais longo exílio vivido por um político brasileiro.  

Nos primeiros anos de exílio Brizola e outros remanescentes dos Grupos de Onze organizam o  Movimento Nacionalista Revolucionário, uma tentativa de resistência armada ao regime. A  derrota da tentativa de insurreição popular no Rio Grande do Sul e das guerrilhas de Uberlândia e  Caparaó demonstraram o quanto o campo popular estava desarticulado pela repressão e fez com  que Brizola, que desde o início não acreditava na tese foquista e defendia a tese de insurreição  popular, abandonasse a tese de luta armada contra o regime.  

Em 1978, o presidente-general Ernesto Geisel inicia a estratégia de “abertura, lenta, gradual e  segura” pela qual tudo “mudaria” para que não ocorressem mudanças profundas na estrutura de  poder e no modelo econômico do país. A linha dura do regime montou uma lista negra proibindo  o retorno de oito exilados: Brizola, Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes, Paulo Freire, Francisco  Julião, Paulo Shilling, Márcio Moreira Alves e Gregório Bezerra.  

Esta lista indicava aquelas lideranças políticas que encarnavam de modo explícito a alegação  dos setores de linha dura que afirmavam que seu retorno poderia levar o Brasil de volta à  situação de “caos e subversão” que redundou no golpe militar de 64. Somente com a vitória da  campanha da anistia Brizola retorna ao Brasil.  

As vésperas da anistia Brizola se exila nos Estados Unidos e começa a articular dentro e fora do  Brasil um leque expressivo de lutadores e lutadoras sociais e políticos em torno da proposta de  retomada da sigla PTB. Isso resultou no Encontro de Lisboa, em junho de 1979, onde os adeptos  do projeto de refundação do PTB assumiram claramente a perspectiva do trabalhismo como  caminho brasileiro para uma sociedade democrática e socialista. Esta articulação reunia desde  deputados estaduais, federais e senadores do MDB, até militantes oriundos de organizações da  nova esquerda que se envolveram na luta armada contra a ditadura a partir do AI-5, passando por  militantes dissidentes do PCB, do velho PSB, até aqueles oriundos das primeiras tentativas de  resistência armada em Caparaó e Uberlândia.  

O PTB seria um partido que herdaria as tradições do nacionalismo democrático, mas as  modernizaria e as superaria, propondo claramente o socialismo como meta. Um partido popular  que se regeria por princípios democráticos, por militância ativa e permanente e que rejeitaria ser  uma simples sigla eleitoral. 

O perigo de uma sigla com profundo referencial na consciência popular nas mãos de uma  liderança popular como Leonel Brizola, protagonista e liderança das lutas populares pelas  reformas de base fez com que a ditadura militar, através de artifícios jurídicos, entregasse a sigla  para políticos profissionais conservadores, levando Brizola a fundar o Partido Democrático  Trabalhista que assumiu a continuidade do projeto histórico do velho PTB.  

Brizola foi eleito governador do Rio de Janeiro em 1982 e sua primeira administração foi  marcada pelo investimento de cerca de 40% do orçamento para a criação de 500 CIEP’s, os  Centros Integrados de Educação Pública, baseados em um projeto pedagógico integral e  renovador que foram idealizados por Darcy Ribeiro, com prédios projetados por Oscar Niemeyer e  chamados por Paulo Freire de maior projeto educacional da América Latina. Além disso, Brizola  assume uma política de defesa dos direitos humanos das populações pobres do estado e investe  na defesa dos direitos dessas maiorias investindo nas mais variadas políticas públicas nas áreas de  favelas. O povo do Rio de Janeiro apelida esses centros integrados de Brizolões.  

Em 1984, Brizola se engaja na campanha nacional por eleições diretas para a presidência, a  campanha das Diretas-Já, organizando o maior comício dessa campanha no estado do Rio de  Janeiro. O projeto é derrotado em um Congresso Nacional conservador e, apenas em 1989, Brizola  participa da primeira eleição direta à Presidência da República no Brasil desde o golpe militar de  1964, ficando em terceiro lugar, com uma diferença de 0,5% da votação nacional para Lula. No  segundo turno apóia Lula, que foi derrotado por Fernando Collor.  

Com posições firmes em defesa dos interesses do povo trabalhador, sempre defendendo a  soberania nacional e denunciando a concentração dos meios de comunicação de massa, no ano  seguinte, pela segunda vez, Brizola conquista o governo do Rio de Janeiro. Cria a Secretaria  Extraordinária de Programas Especiais retomando a política educacional baseada nos CIEP’s e  apostando no aprofundamento de seu aspecto político-pedagógico. Compromissado com a  formulação e implementação de políticas públicas de combate à discriminação racial e de ação  compensatória na defesa das populações discriminadas cria a Secretaria Extraordinária de Defesa  e Promoção das Populações Negras – SEDEPRON.  

Brizola disputou novamente a Presidência da República em 94, mas desgastado principalmente  por uma campanha difamatória sistemática da Rede Globo - que tem o monopólio dos meios de  comunicação no Brasil - contra seu segundo governo no Rio de Janeiro e pelo ascenso do  pensamento neoliberal, obtém apenas 3,2% dos votos válidos. Seu partido, o PDT, passa por um  processo de lutas internas pelo qual outras lideranças partidárias, influenciadas pelo  neoliberalismo, tentam levar o partido a se “modernizar” em uma perspectiva de ruptura com seu  projeto histórico nacional, popular e antiimperialista e enfrentam a obstinação de Brizola na  defesa desse projeto.  

Após realizar campanha sistemática contra as privatizações e as políticas neoliberais do  Governo Fernando Henrique (1995 a 2002), Brizola foi candidato a vice-presidente na chapa  encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva em 1998. Os eleitores brasileiros conduziram Fernando  Henrique Cardoso à reeleição. Em 2000, aos 78 anos, com seu partido totalmente tomado pelas  lutas internas vê-se obrigado a disputar a importante prefeitura do Rio de Janeiro e é derrotado.  

Nesse período questiona a implantação das urnas eletrônicas no processo eleitoral, pois tendo  sido vitima de uma tentativa de fraude eletrônica na totalização dos votos em 82, espanta-se com  a facilidade com que é aceita a implantação das urnas eletrônicas sem que o voto seja impresso.  Brizola sustenta que a não existência do voto impresso inviabiliza a possibilidade de realizar  efetivas auditorias que garantam a transparência e a lisura do processo.  

Em 2002, critico dos posicionamentos centristas do PT, articula uma Frente Trabalhista como  alternativa às candidaturas de Lula e José Serra e disputa a eleição para o senado no Rio de 

Janeiro, perdendo para o candidato apoiado pelas seitas pentecostais. No segundo turno apóia  Lula de forma entusiasta, mas imediatamente se frusta perante a indicação de Henrique Meirelles,  ex-presidente do Banco de Boston e deputado federal eleito pelo PSDB, para o Banco Central, e  com a continuidade do essencial da política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. No  primeiro semestre de 2003, capitaneado por Brizola, o PDT rompe com o Governo Lula e  aprofunda suas criticas à continuidade do modelo econômico neoliberal.  

No dia 21 de Junho de 2004 Brizola morre de infarto no Rio de Janeiro. Um dia antes articulava  em sua casa apoios à candidatura do PDT à prefeitura do Rio de Janeiro. Em seu enterro  ocorreram manifestações populares massivas de pesar no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul  com palavras de ordem do tipo “Brizola guerreiro do povo brasileiro” ou “Se Cuba tem Fidel, o  Brasil tem Leonel”. Essas manifestações representaram o reconhecimento de um líder nacionalista  de esquerda que, por manter sua biografia fiel aos interesses populares e nacionais, foi cerceado  de todas as formas para não alcançar a Presidência.  

Segundo o jornal espanhol El Pais, “O velho leão da esquerda brasileira morreu na segunda feira no Rio” Na Grã-Bretanha, o jornal The Independent publicou: “Brizola foi o defensor dos mais  pobres entre os pobres do Brasil”. Fidel Castro, lamentou a morte de Brizola: "Em tempos difíceis  como os que a humanidade enfrenta atualmente, Brizola será referência obrigatória para os  lutadores nacionalistas e antiimperialistas", dizendo ainda que Brizola "desde muito jovem se  destacou pelas suas firmes posições nacionalistas e foi, sem dúvida nenhuma, um dos precursores  do avanço político e democrático presente hoje no Brasil".  

A biografia patriótica e revolucionária de Brizola nos torna conscientes de que para romper os  laços que submetem as nações e a população brasileira e latino-americana à exploração e à  opressão do grande capital será inevitável o choque frontal com o imperialismo, e que somente  avançando - e não recuando ou conciliando - poderemos defender e aprofundar as conquistas  populares no Brasil e em todo o continente latino-americano.


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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro