A GUERRA É A RESULTANTE GENOCIDA DA LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL
PARTE 1
FETICHISMO DA MERCADORIA, A
TRAGÉDIA NO SEU ÚLTIMO ATO
"O fetichismo da mercadoria significa algo mais geral: em essência, um sistema, que Marx chamou de sujeito autônomo que
reina supremo e no qual os humanos são os servos da
economia que eles mesmos criaram e que
aparece diante deles como uma
força independente"
(Anselm Jappe)
Karl Marx usou o termo fetichismo da mercadoria para fazer uma analogia do modo de produção capitalista com os totens de pedra australianos que eram erigidos e adorados pelos aborígenes.
Diante deles eram sacrificadas vidas humanas (as crianças mais belas da comunidade) para se pedir cura de doenças e a chegada das chuvas.
A subordinação fetichista dos aborígenes aos totens por eles mesmos esculpidos encontra um paralelo nas regras da mediação social regida pela produção de mercadorias sujeitando os seres humanos à sua lógica destrutiva (da sociedade e da natureza) e autodestrutiva da própria forma. Coisas que ganham vida e regem as nossas vidas.
Tal como os totens que as intempéries decompunham ao longo do tempo (tudo que é sólido desmancha no ar, disse Marx), pari passu à destruição social e do meio ambiente, a lógica da produção de mercadorias agora se decompõe por haver encontrado o seu ponto de saturação interno e externo.
A segregação social escravista odiosa que tem sido imposta nos últimos milênios somente pôde subjugar os escravizados pela força dos chicotes, ferros e espadas dos escravizadores, o que levou à criação dos exércitos regulares, com o principal e substancial reforço das armas de fogo.
Uma visão artística do fetichismo da mercadoria é dada
em Cidadão Kane: a essência humana do magnata
esvai-se entre os tesouros da humanidade que amontoa
Daí surgiu a necessidade de se introduzirem soldos militares para renumerar os profissionais da guerra, tornando a mediação social pelo dinheiro uma exigência política e econômica governamental.
O capital é genocida. A guerra, que ganhou impulso sob o capital, é a resultante genocida de sua lógica destrutiva.
A política institucional é, portanto, um instrumento da opressão e não um fórum livre do debate de ideias; e se constitui na letal, submissa e moderna resultante das relações econômicas estabelecidas pelo sistema produtor de mercadorias.
Não há boa política institucional, justamente porque não há como submeter-se a economia à política, razão pela qual os partidos que se dizem anticapitalistas mais não fazem do que enxugar gelo e perpetuar, consciente ou inconscientemente, o fetichismo da mercadoria (do qual são dependentes).
O sujeito autônomo e automático do capital reina soberano sobre as consciências humanas, submetendo-as.
Mas, como não há mal que dure para sempre, eis que é chegado agora o momento de atingimento do limite interno do sistema.
Embora cultuado por todos (ultradireita, direita, centro, centro-esquerda, sociais-democratas, marxistas tradicionais, etc.) os disputantes do poder político decrépito que lhe dá sustentação, o sistema produtor de mercadorias alcança agora o ponto a partir do qual se torna inviável.
Cada vez mais o descrédito corrói o processo eleitoral manipulado que dá de acesso a um poder segregacionista estatal, ao mesmo tempo opressor do povo porque obediente a uma lógica opressora do capital.
A política, expressão institucional do capital, vai escancarando a sua ineficácia como solução para a inconciliável contradição entre forma e conteúdo da relação social capitalista.
Desmorona o castelo de cartas sob o qual se abriga a política.
Patrões e trabalhadores se digladiam numa luta inglória pelo dinheiro. Os primeiros buscando o lucro que lhes escapa. Os segundos pelos salários que diminuem gradualmente ou desaparecem, seja:
— pela inflação;
— pela perda de direitos;
— pela substituição de mão-de-obra mais barata nas regiões mais pobres do planeta; ou, ainda,
— pelo desemprego estrutural.
As associações de classes patronais usam seus representantes políticos (em maiorias parlamentares eternas) para a justificação indefensável das perdas de direitos civis e trabalhistas (vide a reforma de previdência social no Brasil, proposta que, aliás, havia sido em 2003 a razão da cisão do PT e formação do Psol), em nome de um totem sagrado denominado sustentabilidade da relação social sob a forma-valor (dinheiro e mercadorias).
As associações de trabalhadores e os sindicatos pedem de joelhos a não-demissão de trabalhadores substituídos pelos robôs e máquinas de última geração, mesmo com a aceitação das perdas salariais crescentes.
Tal ocorre em razão da dificuldade de se chegar a bom termo de soluções de problemas em face de uma inviabilidade básica, estrutural, que não pode ser resolvida dentro dos marcos do capitalismo.
Não se trata de incrementar ou humanizar o capitalismo como solução social, mas sim de superá-lo como forma de relação social, adotando-se uma outra que venha a usar todo o saber científico e avanços tecnológicos em prol da humanidade, e não contra ela.
O capitalismo cava a sua própria sepultura (Marx).
O Dalton desta vez escolheu um novo intérprete, mais no estilo desta sua composição: o Amílcar Roqueiro.
PARTE 2
A GUERRA É A RESULTANTE GENOCIDA DA LÓGICA DESTRUTIVA DO CAPITAL
As charges são todas do imprescindível Jota Camelo
Foi o mesmo Marx quem disse nos Grundrisse (perdoem-me o eco) que, quando o trabalho vivo (dos assalariados) fosse substancialmente substituído pelo trabalho das máquinas, faria voar pelos ares toda a lógica do capital. Eis que estamos a presenciar o cumprimento do vaticínio de Marx.
Tal raciocínio decorre da conclusão marxiana de que somente o trabalho abstrato, produtor de mercadorias (e ele mesmo sendo uma mercadoria, pois os salários são expressos na mercadoria dinheiro) produz valor.
Então, quando um empresário, movido pela guerra concorrencial de mercado, substitui o trabalho vivo (dos assalariados) pelo trabalho morto (das máquinas), ele aumenta os seus lucros individualmente, mas provoca a diminuição do volume da massa de extração de mais-valia e de toda a massa de produção global de valor.
Consequentemente, a economia como um todo se deprime, seja sob a forma de impostos ou da reprodução vital da massa de valor global, e vê reduzida a sua capacidade de irrigação da máquina social. Disto resulta uma série de problemas insolúveis, quais sejam:
— crescimento da dívida pública como forma de fazer face à queda da receita fiscal e aumento dos gastos da máquina pública;
— redução drástica do atendimento das demandas sociais pelo Estado, cada vez mais endividado e pagando juros extorsivos (principalmente no caso dos países pobres, de moedas frágeis);
— redução da capacidade de indução pelo Estado do capital pela paralisia de obras de infraestrutura financiadas pelos impostos e taxas pagas pelo povo, como financiamentos, construção de estradas, de hidroelétricas e outras formas de produção de energia, de portos, aeroportos, etc.;
— emissão de moeda sem lastro, causadora de inflação que corrói os salários;
— desemprego estrutural, que reduz e elimina salários;
— redução da massa global de valor de consumo, apesar do barateamento das mercadorias (é desigual o sistema de compensação entre os dois fenômenos);
— concentração de rendas, pois somente as empresas capazes de fazer investimentos em capital fixo (das máquinas e instalações) em substituição ao capital variável (dos salários) podem sobrevier na guerra concorrencial de mercado;
— aumento da miséria social global, embora haja países que se beneficiem de tal fenômeno (é graças a isto que ocorrem as migrações para as diminutas ilhas de prosperidade);
— descrédito nas instituições estatais, principalmente as políticas;
— acentuação dos populismo de direita e de esquerda, que se apresentam como salvadores da pátria em movimentos pendulares;
— eclosão de guerras pontuais e ameaça de guerra mundial com uso de artefatos bélicos com alto poder de destruição (não nos esqueçamos de que as duas guerras mundiais do século passado foram frutos do acirramento das lutas por hegemonias econômicas resultantes da segunda revolução industrial fordista e suas depressões), etc., etc., etc.
Mas há um limite externo, de natureza ecológica, que se subdivide em três segmentos:
— exploração predatória dos recursos naturais minerais e vegetais;
— poluição dos mares, rios, lagoas, e lençóis freáticos; e
— emissão na atmosfera de gases poluentes que provocam o efeito estufa e o aquecimento global, bem como a seca e a desertificação de áreas outrora férteis.
O fetichismo da mercadoria, como lógica totalitária, quer justificar o injustificável, ou seja, em nome de falácias como manutenção de empregos, retomada do desenvolvimento econômico e desenvolvimento científico e tecnológico, nos obriga a aceitar todos os males do capital como se fossem males necessários.
Nós criamos o capital e a ele nos submetemos de modo suicida.
Só a nós cabe a tarefa de interromper a autofagia do sujeito automático da forma-valor, sua destrutibilidade e autodestrutibilidade, e somente com um processo de ação e conscientização social é que podemos conter esta marcha célere rumo à nossa própria destruição enquanto humanidade.
À tarefa, pois! (por Dalton Rosado)
Excelente texto, muito obrigada.
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