FUNDAMENTALISMO E IMPERIALISMO NA AMÉRICA LATINA
Introdução
É impossível desvincular a religião dos projetos políticos de dominação e libertação na América Latina. Desde o colonialismo, é possível encontrar movimentos em que a religiosidade serviu para oprimir, violentar e escravizar, como também para organizar e libertar o povo. Na atualidade, a força da religião na América Latina e o avanço de uma gramática religiosa na política institucional é notória, visto que cada vez mais religiosos, sejam eles progressistas ou reacionários, têm se articulado para propagar seus projetos, linguagens e demandas no cotidiano da fé e das esferas de incidência pública.
O povo latino-americano é, em sua maioria, cristão. Na maior parte dos países, essa cifra ultrapassa os 80%, somando-se católicos e evangélicos. Na Bolívia, Equador, Paraguai e Peru, a porcentagem de cristãos chega a 90%. Todos os países da América Latina contam com pelo menos 50% da população cristã (com exceção do Uruguai, com 44,4%). Os dados (FRANCO, 2021) também mostram uma tendência de um trânsito religioso em muitos países. Guatemala, Nicarágua e Honduras atualmente diminuíram a distância do percentual entre católicos e evangélicos. El Salvador, Brasil, Costa Rica, Panamá, República Dominicana e Bolívia têm, todos, mais de 20% da população evangélica. Se olharmos mais de perto, nos territórios mais pobres, esse percentual se amplia.
Para além da importância histórica da junção entre fé e luta no continente latino-americano, é no dia a dia da classe trabalhadora que compreendemos o papel dessa fé. As igrejas, templos, terreiros, casas de rezas são parte da cultura de nosso povo que encontra nesses espaços acolhimento, sentido de comunidade e potencial de viver suas espiritualidades de forma coletiva. Em um continente atravessado pelo colonialismo, a religiosidade popular também foi a construção de uma identidade que segue resistindo, ainda que em disputa. A religião, portanto, é inerente ao nosso povo, desde seu cotidiano até as lutas e revoluções que marcaram tão fortemente nossa história.
Entretanto, após o avanço do neoliberalismo nos territórios latino-americanos, houve um crescimento da direita nas esferas políticas e sociais no continente. Esse processo se refletiu não apenas pela retirada de direitos da classe trabalhadora na América Latina, mas também em discursos de enfraquecimento das instituições democráticas. O fundamentalismo religioso é um dos instrumentos para a manutenção desse projeto neoliberal, que tem como objetivo a fixação por uma verdade única, imutável e inquestionável; ou seja, trata-se de algo antidialógico e antiplural, com forte idealização de um passado inexistente. Essa verdade absoluta e dogmática vai muito além da religião: ela constrói modelos de vida políticos, econômicos e sociais.
A pesquisa Evangélicos, Política e Trabalho de Base, do escritório Brasil do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, tem como objetivo apresentar neste dossiê uma síntese sobre o caminhar tortuoso da religião cristã na América Latina e o fundamentalismo em ascensão. Apresentaremos o fenômeno do fundamentalismo religioso enquanto um projeto de poder imperialista, abordando desde sua origem até a atual projeção nas políticas na região e suas principais bandeiras, como as pautas antigênero, anticomunista e antidemocráticas, com exemplos concretos a partir da política brasileira.
Todavia, instigadas pelas práticas revolucionárias de tantos mártires de Nuestra América, resgatamos as vozes e as resistências, do passado e do presente, nesse enfrentamento ao fundamentalismo religioso, por meio dos estudos teóricos sobre o tema e na realização de entrevistas com formadores e educadores do campo popular e com a base evangélica dos movimentos populares, influenciados pelos ensinamentos do sociólogo colombiano Orlando Fals Borda e do educador brasileiro Paulo Freire.
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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro