*O Fim do Império*
Chris Hedges
https://www.truthdig.com/articles/the-end-of-empire/
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O fim do Império, por Chris Hedges
1/10/2017, Chris Hedges, Thruthdig
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O império norte-americano está chegando ao fim. A economia dos EUA está sendo drenada por infindáveis guerras no Oriente Médio e expansão militar super estendida sobre o mundo. O império verga sob o peso de déficits crescentes, além dos efeitos devastadores desindustrialização e de acordos comerciais globais.
Nossa democracia foi capturada e destruída por empresas que só fazem exigir impostos cada vez menores, desregulação cada vez maior e impunidade ampla, geral e irrestrita para todos os tipos imagináveis de fraudes financeiras, tudo isso enquanto as mesmas empresas saqueiam trilhões do Tesouro dos EUA à guisa de 'resgates'.
A nação perdeu o poder e o respeito sem os quais já não consegue interessar aliados na Europa, na América Latina, na Ásia e na África para que abracem o 'projeto' norte-americano. Acrescente-se a isso a destruição crescente provocada pela mudança climática, e aí está a receita para uma distopia emergente.
Supervisionando esse desastre, nos mais altos cargos dos governos federal e estadual está uma coleção insuperável de imbecis, de artistas conservadores, de ladrões, oportunistas e generais belicistas. E, claro, para que não restem dúvidas: essa lista está cheia, sim, de Democratas.
O império continuará a capengar, perdendo influência sempre, até que o dólar seja abandonado como moeda mundial de reserva, o que lançará os EUA em depressão incapacitante e instantaneamente obrigará a fazer cortes massivos na máquina militar.
A menos que brote a revolta popular repentina e disseminada, o que nada sugere que esteja iminente, a espiral mortífera parece impossível de deter, o que significa que os EUA que conhecemos já não existirão dentro de dez anos, no máximo vinte. O vácuo global que deixamos será preenchido pela China, que já se estabelece como potência econômica e militar gigante, ou, talvez, surja um mundo multipolar partilhado entre países como Rússia, China, Índia, Brasil, Turquia, África do Sul e uns poucos outros. Ou talvez o vácuo seja preenchido, como escreve o historiador Alfred W. McCoy em seu livro In the Shadows of the American Century: The Rise and Decline of US Global Power, por "uma coalizão de empresas transnacionais, forças militares multilaterais como a OTAN e uma liderança financeira internacional auto-selecionada em Davos e Bilderberg", a qual "forjará um nexo supranacional que se imporá sobre quaisquer nações ou impérios."
Seja qual for o parâmetro, do crescimento financeiro e investimento em infraestrutura a alta tecnologia, inclusive dos supercomputadores, armas espaciais e ciberguerra, em todos esses campos os chineses já superaram os EUA, ou superarão em breve. "Em abril de 2015 o Departamento de Agricultura dos EUA sugeriu que a economia dos EUA cresceria perto de 50% nos 15 anos seguintes, e que a China, em 2030, teria triplicado e estaria bem perto de ultrapassar os EUA" – lembrou McCoy. Em 2010 a China tornou-se a segunda maior economia do mundo, no mesmo ano tornou-se a primeira nação em manufatura, deslocando do posto os EUA, que dominaram a manufatura no planeta durante um século.
O Departamento da Defesa lançou relatório sóbrio, intitulado "At Our Own Peril: DoD Risk Assessment in a Post-Primacy World" [Por nossa conta e risco: Departamento de Defesa avalia riscos num mundo pós-primazia dos EUA]. Segundo esse relatório, os militares norte-americanos "já não estão em posição inalcançável, na relação com outros competidores estatais," e "já não podem (...) gerar automaticamente superioridade militar local consistente e sustentável de longo alcance." McCoy prevê que o colapso chegará por volta de 2030.
Impérios em decadência abraçam o que se pode descrever como suicídio disfarçado. Cegados pela própria húbris e incapazes de lidar com a realidade do evanescimento do próprio poder, recolhem-se a um mundo de fantasia onde não entra nenhum fato duro ou desagradável. Substituem diplomacia, multilateralismo e política por ameaças unilaterais e o grosseiro argumento da guerra.
Esse autoengano coletivo deixou passar sem protestar quando os EUA cometeram o maior tropeço estratégico de sua história, que foi como o golpe de misericórdia que matou o império – a invasão do Afeganistão e do Iraque. Os arquitetos da guerra na Casa Branca de George W. Bush e a seleta de idiotas úteis na imprensa e na academia que lhe serviam de líderes de torcida sabiam bem pouco sobre os países que invadiam, foram inacreditavelmente crédulos e ingênuos quanto aos efeitos da guerra industrial e foram completamente ludibriados pelo feroz revide que viria e veio. Declararam, e provavelmente acreditavam que fosse verdade, que Saddam Hussein teria armas de destruição em massa, embora não houvesse qualquer prova. Insistiram que a democracia seria implantada em Bagdá e dali se espalharia pelo Oriente Médio. Garantiram aos cidadãos que os soldados dos EUA seriam saudados como libertadores, por iraquianos e afegãos agradecidos. Prometeram que a renda do petróleo cobriria os custos da reconstrução, insistiram que o ataque militar duro e direto – "choque e pavor" – restauraria a hegemonia dos EUA na região a dominação no mundo. Foi o oposto disso. Como Zbigniew Brzezinski viu, essa "guerra unilateral de escolha contra o Iraque precipitou uma muito disseminada deslegitimação da política externa dos EUA."
Historiadores de impérios chamam a esses fiascos militares, traço sempre presente no período final dos impérios, de exemplos de "micromilitarismo". Os atenienses envolveram-se em micromilitarismo durante a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), invadiram a Sicília, perderam 200 navios e milhares de soldados e dispararam revoltas por todo o império. A Grã-Bretanha fez o mesmo em 1956 quando atacou o Egito num disputa pela nacionalização do Canal de Suez e rapidamente teve de bater em retirada, humilhada, o que empoderou uma sequência de líderes nacionalistas árabes como Gamal Abdel Nasser do Egito, e condenando à extinção o mando dos britânicos sobre as poucas colônias que lhes restavam. Nenhum desses impérios jamais se recobrou.
"Se impérios em ascensão são frequentemente judiciosos, até racionais, no uso que dão às forças armadas para conquistar e controlar domínios distantes, impérios decadentes apresentam a tendência a dar shows de poder, sonhando com duros golpes de mestre militares que de algum modo lhes devolveriam prestígio e poder" – McCoy escreve. "Frequentemente irracionais, mesmo de um ponto de vista militar, essas operações micromilitares podem gerar a gastos hemorrágicos ou a derrotas humilhantes que só aceleram a decadência já em curso."
Impérios precisam de mais do que força para dominar outras nações. Precisam de uma mística. Essa mística – uma máscara para o saque, a repressão e a exploração – seduz algumas elites nativas, que passam a se dispor a fazer o jogo da potência imperial ou, pelo menos, permanecem passivas. E garantem a pátina de civilidade e até mesmo de nobreza para justificar em casa o quanto manter o império custa em sangue e em dinheiro.
O sistema parlamentar de governo que a Grã-Bretanha replicou, na aparência, nas colônias, e a introdução de esportes bretões como polo, críquete e corridas de cavalos, além de vice-reis elaboradamente fardados e a pompa da realeza, alicerçavam-se no que os colonialistas diziam que seria a invencibilidade da marinha e do exército deles mesmos. A Inglaterra conseguiu manter coeso seu império entre 1815 e 1914, antes de ser forçada à retirada. A ruidosa retórica dos EUA sobre democracia, liberdade e igualdade, com muito basquetebol, beisebol e Hollywood, além da deificação que fazemos dos militares, hipnotizou e arrastou grande parte do mundo, como um só rebanho, no alvorecer da 2ª Guerra Mundial. Por trás das cortinas, claro, a CIA usava seu saco de truques sujos para orquestrar golpes, manipular urnas, assassinar líderes, em campanhas de propaganda, suborno, chantagem, intimidação e tortura. Nada disso funciona hoje.
Sem mística, todo o processo engripa. Passa a ser difícil encontrar subalternos absolutamente servis para administrar o império – como vimos acontecer no Iraque e no Afeganistão. Fotografias de abusos físicos e de humilhação sexual impostos a prisioneiro árabes em Abu Ghraib incendiaram o mundo muçulmano e o processo de alistar recrutas para a al-Qaida, depois para o Estado Islâmico. O assassinato de Osama bin Laden e de muitos outros líderes jihadistas, inclusive de pelo menos um cidadão norte-americano, Anwar al-Awlaki, abertamente zombou do conceito de Estado de Direito. As centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados que fogem de nossas guerras no Oriente Médio, além da ameaça constante dos drones militarizados, expuseram os EUA como estado terrorista. No Oriente Médio, os militares dos EUA exercitaram uma tendência a praticar atrocidades em grande escala, a violência indiscriminada, mentiras, erros escandalosos, ações já haviam levado à derrota dos norte-americanos no Vietnã.
A brutalidade longe de casa equivale à crescente brutalidade em casa. Policiais da polícia militarizada matam a tiros norte-americanos negros pobres quase sempre desarmados, e assim enchem um sistema de cadeias e penitenciárias onde semivivem inacreditáveis 25% do total de prisioneiros que há no mundo, embora a população dos EUA não ultrapasse 5% da população mundial. Incontáveis cidades dos EUA estão em ruína. O sistema de transporte público está em pedaços. Nosso sistema educacional está em declínio agudo, para ser privatizado. A dependência de opiáceos, o suicídio, os massacres de massa por atiradores locais, a depressão e a obesidade mórbida são pragas que acometem uma população já lançada no mais profundo desespero.
A desilusão profunda e a ira que levaram à eleição de Donald Trump – uma reação contra o golpe de estado feito pelas empresas contra a nação, e a miséria que aflige pelo menos metade do país – destruíram o mito de uma democracia em funcionamento. Tuítos e a própria retórica do presidente celebram o ódio, o racismo, a intolerância e ameaçam os fracos e vulneráveis.
Em discurso da tribuna da ONU, o presidente ameaçou varrer outra nação da face da Terra em ato de genocídio. Em todo o mundo os EUA somos objeto de ódio e ridicularizados. O que o futuro reserva aos norte-americanos já está aparecendo numa onda de filmes distópicos, que já nem tentam propagandear a virtude norte-americana ou o excepcionalismo ou o mito do progresso da humanidade.
"O descarte final dos EUA como potência global dominante pode vir muito mais depressa do que se imagina" – escreveu McCoy. "Apesar da aura de onipotência que com frequência os impérios projetam, muitos deles são supreendentemente frágeis, sem sequer a força inerente com que podem contar até os estados-nação mais humildes. Na verdade, rápido olha à história dos impérios deve nos obrigar a ver que até o maior deles é suscetível de fracassar e colapsar por causas diversas, sendo as pressões fiscais quase sempre um fator essencial. Pela melhor parte de dois séculos, a segurança e a prosperidade da própria pátria foi o principal objetivo da maioria dos estados estáveis, o que fazia da aventuras estrangeiras e imperiais opção descartável, à qual se reservavam nunca mais de 5% do orçamento doméstico. Sem a riqueza que cresce quase organicamente dentro de uma nação soberana, os impérios são predadores afamados em sua ânsia incansável por saque ou lucro – como o demonstra o tráfico de escravos no Atlântico, a febre belga da borracha no Congo, o tráfico do ópio na Índia Britânica, o estupro da Europa pelo Terceiro Reich."
Quando os ganhos encolhem ou colapsam, diz McCoy, "os impérios tornam-se quebradiços."
"Sua ecologia do poder é tão delicada que, quando as coisas começam a ir realmente mal, os impérios desmoronam com velocidade de profanação: em Portugal, apenas um ano; dois anos, para a União Soviética; oito anos para a França; 11 anos para os otomanos; 17 anos para a Grã-Bretanha e, como tudo sugere fortemente, apenas 27 anos para os EUA, contados daquele ano crucial de 2003 [quando os EUA invadiram o Iraque]" – escreve ele.
Muitos dos cerca de 70 impérios que o mundo conheceu ao longo da história padeceram a falta de liderança competente nos anos do declínio final, e cederam o poder a monstruosidades como os imperadores Calígula e Nero, romanos, por exemplo. Nos EUA, as rédeas da autoridade podem já ter caído nas mãos de um, numa linha de demagogos depravados.
"Para a maioria dos norte-americanos, os anos 2020s serão lembrados, muito provavelmente, como década de desmoralização, com preços subindo, salários estagnados e competitividade internacional desaparecendo" – McCoy escreve. A fim do dólar como moeda global de reserva tornará os EUA incapazes de pagar pelos seus déficits monstros com a venda de papéis do Tesouro –, os quais, àquela altura, já estarão drasticamente desvalorizados. Os preços dos importados subirão massivamente. O desemprego explodirá. Os confrontos domésticos em torno do que McCoy chama de "questões sem substância" alimentará um perigoso hipernacionalismo reacionário que pode facilmente se converter num fascismo norte-americano.
Uma elite desacreditada, desconfiada, mesmo paranoica em tempos de declínio, verá inimigos em todos os cantos. O conjunto de instrumentos criados para a dominação global – vigilância por todos os lados, a evisceração das liberdades civis, técnicas sofisticadas de tortura, polícia militarizada, sistema prisional massivo, milhares de drones e satélites militarizados – serão empregados dentro de casa. O império colapsará e a nação se autoconsumirá, ainda no tempo que nossa geração tem para viver, se não arrancarmos o poder das garras dos que comandam o estado dos financistas e empresários.
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Nasce preocupado com os caminhos do proletariado em geral, porém, especialmente, com o brasileiro